Paredes luxuosas, revestidas de grandes espelhos e talha dourada, lustres de cristal e relógios intemporais são imagem de marca do estabelecimento de restauração mais antigo do país.
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Sobreviveu à Monarquia, à República e ao Estado Novo, tendo recebido alguns dos vultos mais icónicos da história. Mas agora o restaurante conhecido por "Tavares Rico", em Lisboa, está votado ao abandono há três anos. A Câmara diz que "tem procurado sensibilizar senhorios e empresários para a salvaguarda deste património", mas quem por lá passa não vê movimentações nesse sentido. Segundo a Autoridade Tributária, em 2021, "as autarquias comunicaram 10 544 prédios devolutos e 3796 prédios em ruínas".
Há dias, um vidro partido da porta do Tavares, no centro de Lisboa, denunciava o estado de abandono do restaurante mais antigo do país. Aberto em 1784, foi aqui onde Francisco Sá Carneiro fez a última refeição antes do desastre aéreo que lhe tirou a vida, em 1980. Seis décadas antes, em 1917, Sidónio Pais almoçou no Tavares na véspera do golpe militar contra a República que preparou e dirigiu. Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros tomavam ali o pequeno-almoço.
Património em risco
Já longe dos tempos áureos, o símbolo da restauração nacional foi comprado, em 2018, pelo Plateform e fechado para reabilitação no final de 2019. Rui Sanches, que lidera o grupo de restauração, disse, na altura, em comunicado, que "o Tavares era um sonho antigo". "Adquirimos com orgulho o emblemático espaço alfacinha, com o objetivo de o restituir à elite dos grandes restaurantes de Lisboa e do país", frisou. O JN perguntou ao mais recente senhorio em que fase está o projeto de reabilitação, mas não obteve resposta.
As paredes luxuosas, revestidas de grandes espelhos e talha dourada, os lustres de cristal e relógios intemporais fazem deste espaço um ícone arquitetónico. Património que está agora desprotegido depois de, no início deste mês, o vidro da porta de entrada ter sido partido. "O encerramento do restaurante faz-nos temer pela salvaguarda do seu vasto património decorativo e imaterial se o abandono se prolongar por muito mais tempo, uma vez que se encontra bastante vulnerável ao roubo e a atos de vandalismo", dizem os elementos do grupo de cidadania Fórum Cidadania Lx.
O nono restaurante mais antigo do Mundo está classificado como Imóvel de Interesse Municipal e Loja com História e está integrado numa Zona Especial de Proteção, distinções que, contudo, "infelizmente de nada lhe têm valido nos últimos anos", lamenta ainda o movimento cívico, que tem pressionado a Câmara de Lisboa a "assegurar a proteção deste património único na cidade, determinando as necessárias medidas preventivas junto do proprietário" ou mesmo a "tomar posse administrativa do espaço".
A Autarquia diz que o grupo de trabalho criado para apoio ao programa Lojas com História "acompanha a sua atividade, presta o apoio necessário, nomeadamente com o objetivo de manterem a sua atividade em funcionamento". Segundo o Ministério da Economia e Mar, que cita a lei, "compete aos municípios proteger e salvaguardar os estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local".