Projecto de despoluição do rio decorre há dois anos, sem grandes resultados visíveis. É que, lembram os cientistas, é mais fácil poluir do que limpar.
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Em pleno rio Leça, um grupo de pessoas retira peixes da água e a coloca-os em baldes. Não estão a pescar como algumas pessoas que os avistam têm julgado. "Muitas vezes as pessoas pensam que estamos a matar peixe", disse João Morais, um dos membros da equipa que tem trabalhado no Parque de S. Lázaro, em Alfena, Valongo.
As quatro pessoas que trabalham no leito do rio são, na verdade, biólogos da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) que, ao abrigo do projecto "Corrente Rio Leça", monitorizam o estado do peixe. O projecto é desenvolvido pela Câmara Municipal de Valongo, com o objectivo de despoluir o Leça. O que os cientistas da FCUP fazem é verificar se a limpeza do rio está a dar frutos.
João Morais, biólogo de 26, participa pela primeira vez neste trabalho. "Estamos a recolher peixe para medir, catalogar, quatificar, e depois devolvê-lo ao rio", explicou ao JN. A monitorização é feita duas vezes por ano e permite verificar de que forma se desenvolvem os peixes no rio Leça, curso de água que actualmente se apresenta com um elevado grau de poluição.
"Os rios mais a norte estão menos poluídos", afirmou João Morais que já se envolveu noutros projectos semelhantes, nomeadamente no rio Tâmega, em Amarante, onde vai ser construída a Barragem de Fridão.
O projecto "Corrente Rio Leça" começou há cerca de dois anos, mas ainda há poucos resultados visíveis. "É muito fácil e rápido estragar um rio e um ecossistema, mas este leva o seu tempo para recuperar naturalmente", explicou o biólogo Nuno Formigo, coordenador do grupo da FCUP. Até agora, a Câmara tem-se empenhado em eliminar o maior foco de poluição - a falta de ligação ao saneamento em algumas zonas. Em Março passado, começou a ser tratada a Ribeira da Gandra, um afluente do Leça alvo de muitas descargas ilegais.
A limpeza das margens é, para já, um dos progressos mais visíveis. O professor explica, que para despoluir as margens não basta cortar plantas e retirar resíduos. "As pessoas pensam que para limpar uma margem têm de cortar tudo raso, o que é errado, pois ao deixar o terreno sem plantas, a terra que fica solta é arrastada para o rio pelas chuvas", explicou. Outro risco deste procedimento de senso comum é destruir plantas das margens que funcionam como absorventes da sujidade da água e que funcionam, na prática, como agentes da despoluição.
Nuno Formigo entende que os agricultores devem ser sensibilizados para participar na prevenção, uma vez que em redor do rio se encontram vários campos agrícolas. O adubo que utilizam pode ser prejudicial em duas vertentes: ao promover o crescimento indesejado de vegetação nas margens e ao ir desaguar à própria água.
Já Sara Teixeira, recentemente envolvida no projecto, acredita que os proprietários dos campos não são os únicos responsáveis pela poluição, mas sim a população em geral: "Há muita falta de civismo e muita falta de educação por parte das pessoas", assinala.
A aluna da FCUP espera, um dia, ver o rio Leça, que passsa perto de sua casa, livre de poluição, mas está convicta que isso só é possível se todos colaborarem: "A comunidade tem estar envolvida no projecto, ou não funciona".
Luís Marques, que trabalha no "Corrente Rio Leça" desde 2007, acredita que a população está mais consciente, algo que se deve também às acções de sensibilização promovidas pela Câmara. "Se as pessoas virem as margens degradadas, não se importam de sujar - está sujo, suja-se mais. Pelo contrário, se virem que estão pessoas a limpar o rio, a tendência a poluir é menor", diz. "As pessoas até vêm ter connosco e falam sempre com saudosismo do tempo em que o rio Leça estava limpo", contou ao JN.
Para Nuno Formigo, o Leça requer ainda muito trabalho, "mas que tem potencial para ser recuperado".