O presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, duvida que o PS consiga uma maioria absoluta, mas crê que o PS chegará ao Governo e travará o ciclo centralista da coligação PSD/PP que entende estar, como nunca, a desviar fundos das regiões, em particular do Norte, para Lisboa. É preciso, então, um Presidente da República que compreenda as regiões, que saiba gerir com rigor e que possa dar o exemplo. Um perfil que o autarca admite adequar-se a Rui Rio.
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O Norte perdeu peso político desde as autárquicas com a eleição de independentes e a saída do PSD de Câmaras relevantes na região?
O Norte tem vindo a perder força e peso político ao longo de muitos anos. Os autarcas, eleitos em 2013, têm provavelmente maior vocação regionalista do que aqueles que lá estavam. Não pode confundir-se o vaidosismo pessoalista que alguns autarcas usavam na sua mediatização com a efetiva defesa da região. Nos últimos anos, tem havido um processo de centralização estrutural no país com encerramento de serviços múltiplos. É verdade que se atingiram limites que não eram normais. Lisboa tem conseguido justificar a centralização de investimentos, a partir de ideias peregrinas como o "spill over". O problema, presente noutros quadros comunitários, vai intensificar-se neste. Os municípios são arredados de grande parte dos recursos e enredados numa malha institucional, que são as áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais que terão muitas dificuldades em concretizar candidaturas.
O chumbo das candidaturas da região Norte aos fundos de desenvolvimento local urbano não pode ser entendida como uma punição do Governo?
De 24 candidaturas aprovadas, quatro ficam no Algarve, 20 ficam em Lisboa e o resto do país fica sem nada. Antevejo que este chumbo seja o ponto de partida de um processo de centralização de recursos, mesmo quando se sabe que é inviável, porque Lisboa está fora do núcleo das regiões de convergência onde o Norte se afirma, infelizmente, com uma região importante.
A CCDR-Norte está a ser cúmplice da estratégia centralista do Governo?
Não diria tanto. A CCDR é uma estrutura que transporta a voz do Governo à região e nós precisamos de uma voz na região que faça contrapoder. O professor Emídio Gomes é uma pessoa muito respeitável e que tem tido um papel importante, mas está num quadro de intervenção que é muito gestionário. Falta capacidade reivindicativa forte que só se consumará através do caráter eletivo do presidente da CCDR. O desenvolvimento de um país faz-se por tensões, por disputas de contrapoderes na defesa do que consideramos ser justo.
Havia uma grande expectativa do Poder Local quanto ao novo quadro comunitário. Foram defraudados?
Os municípios foram arredados de parte do investimento comunitário. Já não há dúvidas sobre a discriminação positiva de Lisboa e Vale do Tejo. Por exemplo, o Metro do Porto não tem expectativa de alargar a rede e o Metro de Lisboa já tem promessa de uma ou duas linhas. O TGV na região é uma coisa despesista e megalómana, mas haverá TGV para Madrid. São investimentos despoletadores da economia, que criarão maior desigualdade no território e o quadro comunitário vai contribuir para isso. É preciso inverter isto, criando uma frente na região interpartidária de pensamento e de reivindicação com gente ligada às universidades, às autarquias, às empresas, independentemente do Governo e dos partidos. Defender a região é um ato de inteligência e de contributo para o desenvolvimento do país e conseguiram convencer-nos de que somos parolos e provincianos ao defendê-la. Isso não é verdade. O Estado não dá nada a ninguém. Não dá à associação de municípios, não dá à Junta Metropolitana, não dá às autarquias, porque não quer abdicar de uma parte do seu poder. Pelo contrário, ainda suga poder às regiões. O Governo tem tido estratégias de anulação institucional.
Há dias, Rui Moreira acusou o Governo de estar a apropriar-se de recursos municipais, dando o exemplo da extinção do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas (IMT) e a substituição por outro imposto que reverterá para a Administração Central. Concorda com esta interpretação?
Absolutamente de acordo. Há dados que provam que a alternativa à extinção do IMT, que era o crescimento da receita do Imposto Municipal sobre Imóveis sem a cláusula de salvaguarda, não vai nem de perto nem de longe compensar o IMT. Por isso, acredito que haverá uma inversão desta medida errada e injusta e que terá efeitos colossais nos orçamentos municipais.
Também defende que parte do IVA reverta para as autarquias?
Sim, mas são coisas diferentes. Julgo que temos dois debates para fazer: o Governo assume a transferência de uma parte do IVA gerado nos municípios e na região ou terá de conceder isenções de IVA naquilo que são as atribuições municipais. Estamos a pagar IVA pelas refeições escolares e pela iluminação da via pública como se fossem artigos de luxo. Tem de haver bom senso.
Há margem para as autarquias criarem novas taxas para se financiarem?
Não. As classes médias estão esmagadas e a criação de novas taxas vão contribuir inevitavelmente para esmagar ainda mais a classe média. Temos de assumir a defesa das classes médias como prioritário. Os mais desfavorecidos têm um conjunto de respostas, apesar de serem pequenas e minimalistas. As classes médias pagam tudo e correm o risco de nada receber
Mas há uma nova taxa cuja criação já admitiu ponderar que é a taxa de turismo sobre as dormidas nos hotéis?
Admiti no espírito de diálogo intermunicipal. A taxa foi lançada em Lisboa e analisada no Porto. Perante a hipótese de concretizá-la o Porto, mostrei a minha disponibilidade para o diálogo, embora me pareça que a medida não faz grande sentido neste momento. Temos de criar estratégias para cativar novos turistas e para um novo modelo de desenvolvimento turístico e económico para a região. Não passa por criar novas taxas e taxinhas. Penso que não trará recursos acentuados e vai criar mais um obstáculo. Temos de reivindicar que o Estado descentralize competências e as enormes receitas que angaria em cada uma das regiões, de forma a corrigir as desigualdades no território.
Tanto no tratamento do lixo como da água, o Governo tomou decisões à revelia dos municípios, sócios nos respetivos sistemas, que têm implicações nas contas das autarquias, pois conduzirão a um aumento considerável dos custos do tratamento do lixo e de aquisição da água. Já fez as contas de quanto vai custar a Gaia?
Com uma lei mal feita e inconstitucional, o Governo não pode espoliar as autarquias de uma competência e de bens próprios. Se o Governo quer fazê-lo, então que faça um confisco. Crie uma estratégia de nacionalização e avoque os nossos recursos. Acredito que os tribunais vão resolver este diferendo, pois já percebemos que não há margem de diálogo do Governo. Esta medida só terá uma consequência: o aumento da tarifa da água. O que me custa é admitir que a estratégia de dividir para reinar do Governo parece ter tido algum sucesso. Os concelhos pequenos não pagarão menos pela água. No entanto, a malha urbana, onde estão dois terços da população da região, vai passar a pagar mais. Se o Governo quer fazer solidariedade no território, faça-a com os impostos do povo e com o orçamento de Estado através da redistribuição de receitas. Esta decisão surge em contraciclo, porque, em muitos municípios, o trabalho em curso é para reduzir tarifas e aliviar as classes médias. O Governo vem implementar uma medida que vai onerar a fatura da água, onerar os cidadãos e nem sequer é em benefício público. Será em benefício do privado que, mais dia menos dia, tomará conta da gestão do sistema. Isto é uma etapa da privatização.
E quanto vai custar a Gaia?
Resultará na oneração de cerca de um milhão e meio de euros por ano da fatura da água do Município.
Vai repercutir na fatura dos munícipes
Não quero onerar os cidadãos e estou a lutar para, pelo menos, adiar a decisão. Acredito que, a partir de outubro, seja qual for o Governo, não assumirá esta medida. Sobretudo se for um Governo do PS.
É um defensor das regiões convicto. António Costa não tem sido claro na regionalização. Essa especificação deve estar no programa do PS?
Sim, é importante que se clarifiquem posições. Sou um regionalista e um democrata convicto. Mas acho que sou mais democrata do que regionalista. Não me passa pela cabeça que a regionalização seja feita à margem do povo e de um processo referendário.
Contra a regionalização por decreto, mas sim por referendo...
Como é evidente. Um verdadeiro regionalista não quer um referendo para amanhã. Um verdadeiro regionalista tem que provar pela palavra e pelo exemplo que a gestão da coisa pública se faz melhor regionalmente do que pelo Poder Central. Portanto, há um caminho pedagógico a fazer-se. Em nome de um regionalismo exacerbado, o pior que podia fazer-se era assumir um referendo que se sabe de antemão que não está consolidado no espírito das pessoas. Em muitos momentos, o Poder Local não tem dado um bom exemplo. Portanto, as pessoas têm medo de um poder regional que reproduza o despesismo, a megalomania e a má gestão. Esse medo é legítimo. Se houver descentralização gradual de competências, demonstrar-se-á que é possível gerir melhor na região. Aí sim, o referendo será viável.
Não quer, então, um referendo para a próxima legislatura?
A próxima legislatura tem que ficar marcada pela descentralização efetiva para que consigamos ganhar argumentário, força e credibilidade junto dos cidadãos para um processo referendário.
E a descentralização que o atual Governo PSD/PP propõe?
O Governo chama descentralização a algo que é, no máximo, desconcentração. Transfere o gabinete, mas mantém a tutela. As regiões têm de reivindicar a devolução do poder que o Estado Central colonizou.
Tem de esperar pelo Governo do PS?
Temos de esperar pelo novo Governo e espero que seja o do PS. Precisamos de uma mudança de ciclo de austeridade, do ciclo de centralismo, do clico de abandono dos mais desfavorecidos. Creio que o PS será capaz de invertê-lo. Mas tem de ser acompanhada por um grande presidente da República, que não seja só um homem de presidências abertas. Tem de possuir capacidade de intervenção no terreno e uma leitura do território. O Governo por si só não é suficiente.
E Sampaio da Nóvoa é esse homem?
É um dos homens.
E Rui Rio?
É uma voz que eu prezo, é uma voz que trata bem o dinheiro do povo, que trata bem os recursos do Estado, que olha para gestão pública como um ato de decência e de rigor sem grandes megalomanias. E pode ser uma voz que traduza este sentir das regiões, não só do Norte. É um nome que eu julgo que seria errado desqualificar.
Rui Rio começa a ser colocado como uma hipótese para a atual Maioria...
Será uma opção inteligente.
E apoiaria Rui Rio contra uma indicação do seu partido?
Ainda é prematuro. Hoje, não há nem pode haver a colonização do debate presidencial pelos partidos, mas não podemos perder a oportunidade de valorizar as características das personalidades que podem ter um enorme contributo para o debate público apenas por lógicas político-partidárias. Nas Presidenciais, os partidos têm-se mostrado muito abertos. O país tem de olhar para os seus melhores, em vez de estarmos à procura de soluções miríficas. O povo está farto de discursos e de palavras. É bom que quando alguém fale de rigor e de boas contas possa dar o seu próprio exemplo.
Portanto, Rio é um bom exemplo...
O Rui Rio é um bom exemplo.
Mantendo-se os atuais candidatos e Rui Rio avançando, apoiá-lo-ia?
Vamos ver, não queria entrar por esse apoio formal. Limito-me a constatar que o país precisa de gente qualificada e que deu bons exemplos. Rui Rio pode trazer isso ao debate público, mesmo não sendo eleito.
Mas encaixa no perfil do presidente da República que defende?
Admito que sim. Admito que possa ter a visão da região que Sampaio da Nóvoa virá a ter com o tempo. Rui Rio encaixa-se nesse perfil com mais facilidade.
O PS não descola nas sondagens. O longo silêncio de António Costa foi prejudicial para o partido?
Depois da eleição de António Costa, as pessoas estavam com muita ânsia de uma inversão radical do panorama político. Sempre achei que era uma ilusão. Admito que, com a saída da Câmara de Lisboa, há condições para um debate intenso no panorama político. Estou muito expectante. As pessoas não estão com muita disponibilidade para novos erros de casting. É uma das últimas oportunidades para voltar a credibilizar os partidos e a democracia. Se correr mal, temo pela representação social que o cidadão passará a ter da política. A Europa dá-nos exemplos como isso se traduz em extremismos.
António Costa saiu tarde de Lisboa para conseguir a maioria absoluta?
Uma maioria absoluta será muito difícil, independentemente dos momentos. As pessoas estão desfocadas e entristecidas. Os próximos dois ou três meses são decisivos. Se as pessoas perceberem que há um rumo alternativo, acredito numa maioria absoluta. Enquanto isso não acontecer, é muito difícil pensar nesse objetivo.
Não a alcançando, qual é o caminho: coligar-se à Esquerda ou ao Centro?
O país tem de ser governado. Espero que haja bom senso para uma solução que beneficie o país. Não há tempo para lutas político-partidárias estéreis e radicalizadas. Para mim, uma solução governativa passaria muito mais por acordos de incidência parlamentar do que por coligações que são, muitas vezes, coligações de interesses.
A prisão de Sócrates fragiliza o PS?
A prisão de José Sócrates fragiliza-nos a todos como país, como Justiça e como modelo de aplicação da investigação. Claro que fragiliza mais o PS, mas não pode confundir-se o que eu ainda julgo ser o grande lastro de honestidade de José Sócrates com uma generalização ao partido. Espero que se esclareça rapidamente.
Revê-se no plano macroeconómico apresentado pelo PS?
O plano é muito interessante, traz um grande contributo ao debate e desmistifica a ideia de que o PS não tinha ideias. Mas tenho duas dúvidas. Nos últimos 10 anos, vimos um crescimento tão pequeno da economia que projetar um cenário macroeconómico de crescimento de 3,1% deixa-me ansioso. Dificilmente será possível com esta rapidez, sobretudo se o modelo de desenvolvimento não for acompanhado de uma estratégia de investimento público. A segunda dúvida é sobre a TSU. Estão a ver alguma pequena ou média empresa a contratar mais meia dúzia de trabalhadores por causa da isenção da TSU? Eu não. A extinção da TSU traduzir-se-á num ganho efetivo para as grandes empresas com centenas de trabalhadores. A TSU deve manter-se intocável para as empresas. Não acho que seja um bloqueio à atividade económica.
E para os trabalhadores?
Se for na perspectiva de um imposto negativo transitório para acrescentar rendimento às famílias, pode ser uma mais-valia. Apesar de tudo, acho que há outras formas de ajudar as famílias, criando isenções e regimes de comparticipação, até de comparticipação salarial, junto dos mais desfavorecidos e das classes médias. Os regimes de gratuitidade que possamos assumir em serviços públicos vai visar as classes médias em primeiro lugar, porque os mais pobres já têm isenções. Eu seria mais tentado a um modelo destes.
No plano, o PS não se compromete a corrigir os desequilíbrios da lei laboral como introduz o despedimento conciliatório. Que leitura faz?
Não é expectável que o PS assuma novas formas de liberalização dos despedimentos ou até de flexibilização de vínculos laborais. A minha prioridade seria garantir a criação de novos vínculos. Acabar de vez ou em grande medida com programas de emprego que mais não são do que estágios e trabalho precário pagos pelo erário público. Não podemos chegar às escolas e ter mais de metade dos trabalhadores oriundos do centro de emprego sem vínculos dignos. Temos que ambicionar mais do que trabalho, temos que ambicionar trabalho digno. Não pode haver trabalho a todo o custo. A proliferação de contratos de emprego-inserção é uma maldade à qualidade do vínculo laboral. O PS tem de olhar para milhares de cidadãos que hoje não fazem parte das estatísticas do desemprego, mas que são efectivamente desempregados, como os tarefeiros em escolas, pagos pelo erário público.