Alegadas discrepâncias de expediente e de gestão de dados originam volte-face repentino no "ranking" das participações dos utentes do Serviço Nacional de Saúde.
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A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) diz que os processos que lhe são submetidos não têm "qualquer ponderação ou rácio quanto à sua dimensão, produção ou população alvo". Ora, se, em 2019, Lisboa e Vale do Tejo tinha clara prevalência no "ranking" das participações dos utentes, com Santa Maria e Amadora à cabeça, o primeiro relatório semestral de 2020 trata de confirmar a natureza absoluta desta métrica flexível.
Em seis meses de 2020 tudo mudou: o Norte e o Hospital de S. João passaram a ser os mais processados. Muito mais do que a covid-19, alegados desencontros na gestão e no fluxo de dados estarão na origem do volte-face.
Em 2019, o Sistema de Gestão de Reclamações (SGREG) registou 93 563 REC (reclamações, louvores, sugestões...). Os grandes hospitais de Lisboa e Vale do Tejo foram os mais reclamados e também os mais louvados. Nos centros de saúde locais, a tendência foi ainda mais dominadora: a ACES II - Barlavento- Unidade de Saúde de Portimão era a única fora de Lisboa a entrar neste "top 20" das queixas os utentes.
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Ainda no relatório de 2019, a ERS verifica que "subsistem dificuldades no processamento atempado das reclamações", o que significa que os gráficos podem andar à mercê do despacho administrativo dos regulados, designadamente da transição de processos de anos anteriores.
O relatório do primeiro semestre de 2020 poderá ser exemplo dessa variação de frequência do expediente ou de "desajustamento temporal", o que nem se justifica só com a emergência de saúde pública causada pela covid-19. A própria ERS observa que o impacto da pandemia no processamento foi reduzido: foram submetidas a apreciação 46 757 participações, o que representa um aumento de 1,5% em relação ao período homólogo de 2019.
Certo é que o primeiro relatório parcelar de 2020 regista uma alteração muito significativa: em seis meses, o S. João, quinto em 2019, com 1819 REC em todo o ano, passou para primeiro, com 2019 REC (1933 queixas); Braga, que era sexto (1666 REC), trepou a segundo (1649 REC); Santa Maria baixou de primeiro (3544) para terceiro (1386) e todos os restantes hospitais de Lisboa e Vale do Tejo tiveram quedas acentuadas; ao invés, para reforçar a nova ordem, outro estabelecimento do Porto, o Santo António, teve a ascensão mais espetacular, de 17.º (785 REC em 2019) para quarto lugar (1280 em seis meses de 2020).
Como explicar esta evolução? Para já, o Gabinete do Cidadão do S. João faz contas diferentes: no primeiro semestre de 2020, registou (no SGREC e na plataforma interna) 855 exposições (oito sugestões, 69 elogios e 778 reclamações).
"As exposições apresentadas diretamente pelos cidadãos à ERS, desde que inseridas na SGREC e validadas, são simultaneamente registadas na plataforma do CHUSJ. As exposições existentes na SGREC, se forem validadas diariamente pelos serviços da ERS, devem ter a mesma frequência bruta que as registadas na plataforma do CHUSJ no período em avaliação. Evitar-se-iam desajustamentos temporais nos dados", observa o professor David Costa, diretor do Gabinete do Cidadão do CHUSJ.