Na Área Metropolitana do Porto, os pasteleiros e os fornos não têm descanso para pôr nas mesas de Páscoa os doces tradicionais da região.
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O folar é um mimo, uma forma dos padrinhos e madrinhas presentearem os afilhados no dia de Páscoa. Muitas das tradições desta quadra vão-se perdendo, sobretudo nos grandes centros urbanos, mas a partilha em família das mais variadas iguarias vai-se mantendo e por esta altura os fornos de padarias e confeitarias do Grande Porto não têm descanso.
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Na Área Metropolitana, assim como em todo o Douro Litoral e Minho, falar em folar é falar no tradicional pão-de-ló, tendo por base o de Margaride (Felgueiras). O Porto, devido à forte migração verificada ao longo dos séculos XIX e XX, importou muitos dos saberes e sabores transmontanos e beirões e é habitual encontrar nos estabelecimentos comerciais da cidade o folar de Valpaços, de Mirandela ou de Vinhais.
Na centenária Casa das Tortas, na Rua de Passos Manuel, são cozidos centenas de folares de Chaves, receita trazida por um casal transmontano e que se tornou célebre. "O segredo do sucesso é o folar levar muito azeite e carnes de qualidade e ser feito sempre no dia. Tudo de forma artesanal", refere Paulo Cordeiro, o atual proprietário.
Rui Pereira é o pasteleiro da casa há 17 anos e é ele quem junta farinha, margarina, ovos e sal, envolvendo tudo com o fermento diluído em água e leite, antes de levedar. Antes de ir ao forno adiciona-se os cubos de presunto, a moira, o salpicão e a gordura branca para ficar mais húmido e saboroso. Em vésperas do domingo de Páscoa saem da Casa das Tortas mais de 200 folares.
No entanto, pelas terras do litoral nortenho o folar doce ganha ao salgado e são muitas as receitas que passam de geração em geração e que continuam a marcar presença na mesa neste dia festivo. Ao lado dos ovos de chocolate, das amêndoas, dos ovos cozidos com casca de cebola para ficarem castanhos ou com folhas de oliveira para adquirirem a tonalidade verde, está sempre o pão-de-ló tradicional, sendo o confecionado na confeitaria Doce Alto um dos mais famosos e já eleito um dos melhores da cidade.
Em Matosinhos é tradição a família reunir-se em volta do forno, na noite que antecede o domingo de Páscoa, à espera das primeiras broas doces quentinhas. São pequenos bolos com sabor a manteiga, canela, erva doce e pintados de açafrão, que fazem as delícias de pequenos e graúdos não só neste concelho mas, com algumas variantes, também na Maia e em Santo Tirso.
Na mesa dos valonguenses a rainha é a regueifa doce. Não é mais do que a tradicional receita apreciada pela macieza e brancura da sua massa a que, nesta quadra, se junta açúcar e canela, elevando a tradicional regueifa a um outro patamar. Este bolo está igualmente associado à quadra pascal em Santa Maria da Feira, acompanhado com manteiga, queijo, presunto, compota e regado com vinho do Porto.
Por terras de Vila do Conde o pão doce adoça bocas e na casa de Beatriz Simões, em Modivas, o telefone não para de tocar com pedidos de encomenda. A septuagenária aprendeu a receita com a mãe e hoje os dois filhos e a nora dão seguimento à tradição muito características não só desta freguesia mas também de Vila Chã, Mindelo, Vilar e Labruge. "Antigamente cozia-se uma vez por ano, agora vendemos todo o ano", conta Beatriz Simões. Em 2021, apesar de não haver celebrações devido à covid-19, as filas à porta chegavam aos 600 metros.
A doçaria associada à Páscoa conta ainda com as castanhas de Arouca e as tulhinhas de Oliveira de Azeméis (Santiago de Riba-Ul) e Vale de Cambra e a rabanadas poveiras típicas do Natal mas com cada vez mais procura nesta quadra pascal.
O imaginário dos portugueses numa amêndoa revestida
Têm nomes como Paris, Cláudias, Napolitanas e diversas formas de fabrico, podendo ser torradas, de chocolate negro, de leite ou branco, com pedaços de caramelo ou de framboesas. As amêndoas são outra das tradições que já faziam parte das datas festivas da Roma Antiga e que, a partir da Idade Média, passaram a estar associadas à Ressurreição de Jesus.
Embora nos últimos anos a produção de amêndoas de forma caseira e gourmet tenha ganho terreno, a confeção deste tipo de confetti continua a ser a imagem de marca de algumas das empresas mais emblemáticas da região como a Arcádia, no Porto, a Imperial, em Vila do Conde, ou a Vieira de Castro, em Famalicão.
Na Rua do Almada, no Porto, continua-se a recuperar a quebra de 25% nas vendas devido à pandemia e este ano a produção de amêndoas volta a acontecer com força. As drageias de licor Bonjour sobressaem pela cor e formato. Durante cerca de dois meses passam por várias fases até poderem ser decoradas e pintadas à mão. A par destas deliciosas frutas e bebés, há ainda as tradicionais de chocolate, os ovos decorados e os coelhos.
O mesmo se passa na fábrica de Azurara (Vila do Conde) que, a partir de 2004, com a fusão com os chocolates Regina, passou a ter uma vasta oferta: além das amêndoas tradicionais, vende recheadas e até isentas de glúten. Para uma tarde em família, nada melhor do que a caixa de 20 furos premiados com chocolates. A Imperial é campeã de vendas nos supermercados da Mercadona em Espanha.
Outra empresa cujos produtos fazem parte do imaginário dos portuguses é a famalicense Vieira de Castro, das icónicas Bolacha Maria ou de Água e Sal, dos originais rebuçados Flocos de Neve e, nesta quadra pascal, das velhinhas amêndoas Lisa Cores ou de Tipo Francês, pelas lilases Napolitanas ou bojudas Cláudias e de muitas outras ao gosto de cada um.
Não beijar a cruz do compasso
A Igreja Católica já anunciou as orientações para a visita pascal que este ano regressa às celebrações e uma das normas será a de não beijar a cruz do compasso. O uso de máscara é obrigatório e o guia do grupo dirigirá uma breve oração com a família reunida, terminada a qual as pessoas são convidadas a venerar a cruz com uma vénia ou outro gesto que não implique contacto físico quer com a cruz quer com os membros do grupo. Embora as mesas possam estar postas, os alimentos não devem ser partilhados com os membros do compasso. Devido à pandemia, estas celebrações típicas da Páscoa estiveram suspensas durante dois anos.