Um grupo de idosas da ilha do Faial está de visita ao concelho de Vagos, onde experimentou uma aula de surf. E o mar ajudou a superar os receios que tinham.
Corpo do artigo
Encarnação Rebelo, de 81 anos, mostrou esta terça-feira, na praia da Vagueira, em Vagos, que não há idade para se enfrentar desafios. Por isso, a idosa, residente no Faial, Açores, não teve dúvidas na hora de se deitar em cima de uma prancha, para experimentar surfar. Ou melhor, teve dúvidas e receios, mas enfrentou-os. Encarnação foi uma das idosas que, a convite da recém-formada Associação Extragenária, fez uma aula de iniciação ao surf. Ela que na sua ilha, rodeada pelo mesmo oceano que banha a Vagueira, nem à praia vai molhar os pés.
“Estava com medo, mas agora já não tenho medo nenhum. Tornava a ir outra vez, sem pensar duas vezes. Nunca tinha feito, mas adorei”, confessou Encarnação Rebelo, de cabelos molhados e fato isotérmico a proteger-lhe corpo, ao sair da água – que “não estava nadinha fria”.
O convite partiu de Ângelo Valente, animador sociocultural e um dos fundadores da Associação Extragenária – a par da gerontóloga Sofia Nunes, com quem faz dupla há 13 anos –, numa das visitas que fez ao Faial. Onze pessoas aceitaram o repto de viajar até ao continente para conhecer a região de Aveiro. Chegaram na segunda-feira e ficam quatro dias. No meio de um extenso programa de visitas, os membros da associação, em conjunto com a Migas Surf School, organizaram uma aula de iniciação ao surf. Uma aposta ganha, aparentemente, contra tudo o que se pudesse pensar.
“Muitas destas pessoas tiveram períodos difíceis, de luto e de superação de doenças, e tiveram a coragem de vir para o desconhecido e de mergulhar no mar, mesmo com medo. Muitas não acreditavam que se iam meter de joelhos, mas de facto todas conseguiram. Superaram-se”, frisou Ângelo Valente.
“Nem parece que estamos neste Mundo” .
De batom vermelho nas ondas do mar
Encarnação foi a primeira a experimentar e sorria ao deslizar nas pequenas ondas, auxiliada por três surfistas, entre os quais o tetracampeão nacional de bodysurf, Miguel Rocha. Na primeira tentativa, deitada. Na segunda, já de joelhos. Uma a uma, cada uma das idosas foi ao mar. Saíram todas de sorriso nos rostos e a quererem repetir a proeza.
“Saí de casa, nos Açores, a dizer a todas elas que não ia para o mar. Deus me livre. Mas o instrutor João [Gomes] preparou-me de tal maneira, que mudei de ideias e quis entrar. Foi uma maravilha”, confessou Alda Estrela, outra das “surfistas”, de 72 anos. “A sensação de estar na água faz parecer que não estamos neste Mundo. Ficava ali mais uma hora, se eles quisessem”, garantiu Alda, ainda de batom vermelho nos lábios, a sua imagem de marca – “não meto mais nada na cara, mas do batom não prescindo nunca”.
Ângelo Valente fez questão de sublinhar que a associação que criou tem como objetivo, precisamente, “trabalhar na missão de desmistificar o envelhecimento e fazer perceber que ser velho é uma honra”. Afinal, “estamos sempre a tempo de sermos as pessoas mais felizes do Mundo”.
Para ajudar a Associação Extragenária a fazer o grupo de açorianas felizes, uniram-se esforços junto da comunidade local. Uns emprestaram carrinhas para as irem buscar ao aeroporto, empresas cederam patrocínios, alguns restaurantes ofereceram refeições e a Associação de Surfistas de Vagos possibilitou-lhes a estadia na sua “surf house”. Os municípios de Vagos, Ílhavo e Aveiro também se uniram à iniciativa. E até um chef, Tony Martins, cozinhou uma caldeirada típica para o grupo, nas cabanas de pescadores na Vagueira, a seguir à aula de surf. “Não há palavras para agradecer o que fizeram por nós”, atestou Encarnação Rebelo. No final, até a meteorologia ajudou, com uma manhã de sol para aquecer o corpo e um mar calmo. Um mar "belíssimo" e "quentinho", assegurou Alda Estrela.