"Temos jazigo e era vontade de toda a família fazer o funeral como é costume, e pôr o corpo da minha avó junto do meu avô. Mas o presidente da Junta disse que não deixava sepultar até isto do vírus acalmar e a minha avó foi obrigatoriamente cremada". É Ivo Pontes, neto da primeira vítima mortal de covid-19 no concelho de Famalicão, quem relata a situação "complicada" com que se deparou após o falecimento da idosa, no final de março.
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Delfina Ferreira tinha 91 anos e vivia há cerca de dois no lar do Centro Social e Cultural S. Pedro de Bairro, que teve um foco da doença naquele mês. Morreu no dia 29, no Hospital de Famalicão, e o neto contratou uma funerária de Santo Tirso para realizar as cerimónias fúnebres, que teriam de obedecer às restrições impostas pela pandemia.
Mas, ainda que a cremação de vítimas de covid seja apenas uma recomendação e não uma obrigação, a idosa acabaria por ser cremada e não sepultada no cemitério de Delães, em Famalicão, como a família queria.
"Infelizmente, teve de ser. Não nos deram outra opção, e a minha avó teve de ser cremada", lamenta Ivo Pontes, que chegou a viver com os avós, na casa onde mora com a mãe, em S. Martinho do Campo, Santo Tirso, antes de o casal ingressar no lar.
"Liguei ao presidente da Junta [de Delães], a dizer que tinha falecido uma senhora com covid, e ele opôs-se a abrir a sepultura. Disse que não autorizava e, como era covid, devia ser cremada, porque era o recomendado. E também não deixava abrir porque o marido tinha sido sepultado há um ano, e não se pode mexer na urna antes de passarem três anos", explicou, ao JN, o agente funerário, que preferiu não se identificar. Assegurou, contudo, que "podia perfeitamente sepultar a senhora sem mexer na outra urna".
"Foi na fase inicial [da pandemia], e ainda estava tudo sem saber o que podia fazer ou não, e aqueles foram os argumentos que o presidente da Junta usou", afirmou o responsável da funerária, sublinhando que a cremação "não era o ritual que a família queria".
"Acabámos por deixar, para não nos chatearmos muito. Queríamos tratar de tudo o mais rápido possível, e sem confusões. Infelizmente, houve", lastima Ivo Pontes.
Autarca de Delães nega impedimento
"Nunca houve, da minha parte nem da Junta, impedimento para abrir a sepultura", afirmou, ao JN, o presidente da Junta da Delães, referindo que "o neto da senhora concordou com a cremação". "O constrangimento que havia era o marido ter sido sepultado em janeiro de 2019, ligado ao facto de a senhora ter morrido de covid. Estávamos a viver aquela fase inicial, em que tudo era uma confusão imensa", justificou Francisco Gonçalves, assumindo que a Junta "estava a recomendar" a cremação, conforme as orientações da Direção-Geral da Saúde. O autarca invoca o "decreto-lei 411/98, que diz, no artigo 21, que, após uma inumação, as sepulturas não devem ser abertas por um período de três anos", mas reconhece que "o que pesou mais foi a questão de ser covid e de ser tudo novo".