Uma vez por semana, os finais de tarde dos alunos da Escola Superior de Saúde de Santa Maria, no Porto, estão reservados ao voluntariado. Todas as terças-feiras, por volta das 17.30 horas, o destino de professores e alunos de enfermagem é a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Praça do Marquês.
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Nas traseiras do edifício, há duas salas. Numa, a paróquia distribui sopa e pão aos sem-abrigo da cidade. Na outra, funciona uma sala de convívio. Lá, os voluntários do Vintageing Fénix prestam cuidados e apoio médico. O projeto arrancou em março e oferece atendimento de enfermagem, fisioterapia e psicologia, bem como o seguimento personalizado de casos, quando necessário.
À espera da refeição
Mafalda Silva, professora de enfermagem e coordenadora do projeto, adequa sempre a abordagem aos diferentes casos. "Os utentes estão sempre lá fora à espera da refeição e nós vamos falar com eles para fazerem parte do projeto. Temos quem se recuse a participar e temos outros que aceitam. Já tivemos casos em que nos procuraram só para avaliar glicemias e mostrar análises. Pedem-nos para verificar se está tudo bem", conta Mafalda Silva.
"Inicialmente, é feita uma caracterização sociodemográfica. Depois, fazemos a avaliação clínica, mental e cognitiva, medimos os níveis de açúcar no sangue, a tensão arterial, o peso e o índice de massa corporal (IMC). Também tentamos perceber se existem antecedentes familiares", explica a coordenadora.
Falta de voluntários
O grupo é pequeno e precisa de mais voluntários. "Estão a ser sempre as mesmas pessoas a ir lá todas as semanas. Mas quem quiser, pode ir. Não é só para os alunos da nossa escola. É para quem quiser ajudar", revelou José Manuel Silva, presidente da Escola Superior de Saúde Santa Maria. São apenas dez pessoas, entre professores e estudantes dos diferentes anos.
Carla Oliveira, estudante do 3.º ano de enfermagem, e Maria Matos, de 23 anos, nutricionista estagiária na Escola Superior de Saúde Santa Maria, pertencem ao corpo de voluntários do projeto.
Maria Matos refere a "proximidade com um público diferente" como uma das motivações para integrar o projeto e confessa que "as histórias de vida marcam imenso". "Tento sempre refletir no final das abordagens com os professores. Sozinha era impossível", confessou a estagiária ao JN.
Vício da droga deixou-o na ruahá uma semana
Uma recaída na droga deixou Tiago (nome fictício) na rua há sete dias. "Gastei o dinheiro em cocaína e heroína e como não paguei a mensalidade do quarto à instituição, puseram-me na rua", explica."Às vezes, consumo por tudo e por nada. Arranjo sempre uma desculpa", confessa, desiludido. Com a separação e a prisão dos pais, o vício da droga tomou conta da vida de Tiago aos 14 anos. Desde essa idade que é seropositivo. "Tenho seis irmãos, mas só tenho relação com um, que está na Alemanha. Falamos de vez em quando", conta.Apesar de Tiago ter estado cinco anos sem consumir, "as saudades, a ansiedade e as más companhias" levaram a melhor. "Acho que ainda não consegui arranjar um objetivo. Dou-me pouco valor e deixo-me levar", lamenta.
Vergonha de pedir ajuda perto de casa
Não é do centro do Porto, mas o receio de se expor obriga José (nome fictício) a ir até à paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no Marquês, procurar ajuda. "Tenho vergonha. Quero desabafar à vontade e poder contar as minhas mágoas todas. Este bocadinho de conversa sabe-me bem", conta, emocionado. Mas um problema na perna direita não lhe permite fazer esforços e trabalhar custa cada vez mais. "Já fui operado e tenho um bypass entre uma veia e outra, mas não melhorei. Não sei se aguento muito mais", explica. No entanto, não é a saúde que o deixa inquieto, mas sim a desilusão que sente por não conseguir ajudar os seus. "Antes, ganhava tão bem. Mas tenho dois filhos e agora não tenho nada para lhes dar. A coisa mais triste é um pai não ter nada para dar aos filhos. Tenho os sentimentos só, mais nada", diz, desiludido.