Aquela espécie de "Watergate" luso - o Governo vigia a Presidência da República, o Governo não vigia, a Presidência é vigiada, a Presidência não é vigiada - que, há cerca de mês e meio, se desunha por ganhar forma tem ocupado vastas páginas de jornais (em rigor, nuns mais do que noutros), captado metros de ecrãs televisivos e gasto algumas vozes radiofónicas.
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Os blogues saltitam, os twitters deliram. Não se fala de outra coisa. Bem... Na verdade... Para o José, a Carminda, o Manuel, a Ana e o Araújo, todos cidadãos alojados no distrito de Vila Real, o assunto é mais na base do "pois, se quer que lhe diga, ouvi umas coisas".
Poucas e algo turvas. Aliás, em termos de audição desfocada, Carminda Pereira, empregada de limpeza de 43 anos, apresenta-se imbatível. "Penso que não ouvi falar disso, mas, olhe, mal por mal, é deixar estar".
Deixar estar o quê? A habitante da aldeia de Parada de Cunhos especifica: "Sei lá, já nem digo nada". Mas disse. Revelou que ganha 325 euros por mês, "para criar dois filhos", isto porque os outros "já estão grandes".
Então, e as alegadas escutas e a comunicação do presidente da República de ontem [anteontem]? "Não ligo. Não fui votar". OK...
José Fonseca está à sombra, num jardim de Vila Real. Pelo que afirma, a sua opinião sobre o assunto que aflige a nação toda - todinha - também se move na penumbra. "Nem sequer percebo muito bem". Após uma sintética contextualização, o teor do discurso do ex-reformado da CP, de magros 62 anos, mudou como da água para a...água. "Ai, foi isso? Não têm renome nenhum". Pronto. Rosto resoluto.
Manuel Costa, de Vila de Lordelo, elabora mais: "Foi aquela coisa de dizer que havia escutas, mas não sei se é verdade, se é mentira. Eles é que sabem". Aparentemente, a terceira pessoa do plural tem costas larguíssimas.
O reformado, a dois anos de completar 80, mordeu e não larga. "Queria era que quem entrou para o Governo resolvesse os problemas. São todos muito boas pessoas, mas não andam lá muito bem". Partiu para a auto-análise: "Com a idade que tenho, também já não me vou preocupar muito".
Tomando as palavras de Manuel Costa como dogma, José Araújo tem bastante com que se preocupar. Carrega 29 anos e um bebé. É funcionário público em Vila Real e o alheamento da putativa questão nacional radica num conceito um bocadinho mais global, o das férias. "Estou a leste. Só hoje [ontem] é que me apercebi da comunicação de Cavaco Silva e do contra-ataque do primeiro-ministro".
Apesar da distracção, salienta que o "assunto deve ser mais debatido, para que as pessoas saibam a verdade". O comentário ganha vigor: "É o jogo dos políticos. Potenciam a polémica para os portugueses não perceberem, realmente, o que se está a passar".
Mas tudo tem um fim. Para José Araújo, as suspeitas e respectivas contra-suspeitas que impedem o sono justo do povo todo - mas mesmo todinho - vão "acabar", por causa das declarações de hoje [ontem] de José Sócrates".
Ana Clara Silva é jovial, professora, de 45 anos, e "sai muito cedo de casa", motivo pelo qual tem acompanhado o diálogo entre a Presidência e o Governo sobre o maravilhoso mundo da informática menos atentamente.
De qualquer forma, considera que a comunicação do presidente da República "pode ter encerrado o assunto". Não é que as explicações de Cavaco Silva "fossem as ideais, mas, como ele falou, é provável que as coisas fiquem por aqui". Além de jovial, Ana Clara é optimista.