Dançou até às quatro da manhã ao som da canção de Jorge Lomba, rapaz de Braga que viu crescer, mas que para ela será sempre "menino", menino que a leva às lágrimas. "De orgulho".
Corpo do artigo
Dona Maria dançou ontem e hoje as pernas pedem-lhe recato. As pernas, não a alma. É o elemento da família Cruz que o JN está a acompanhar no Avante, mas que ainda não se tinha pronunciado.
Parece tímida, reservada, não é. Só não "gosta de aparecer". Mas desafiada a fazê-lo, tem mil histórias para cantar. Encanta, canta, partilha a memória, a alegria, a sua luta.
Dona Maria é assim: mulher bonita, guerreira, trabalhou a vida inteira como cozinheira até ao dia em que uma operação ao coração a atirou para a reforma.
"Sou reformada, mas dos ideais, que dessa luta uma pessoa não se reforma", diz. Completa hoje 72 anos e o seu momento alto, antecipa, será quando depois de Jerónimo de Sousa discursar no encerramento da festa, começar a ouvir-se a Carvalhesa, hino adoptado pelo PCP.
Dona Maria canta para mostrar como é; "tan taran tan taran...". "Ah, enche-me o peito, sei que vou chorar, choro sempre, vejo as pessoas todas, todas, menina, a cantar, e as lágrimas saltam-me".
Saltam-lhe muitas vezes. Dona Maria tem o coração na boca, quatro filhos e três netos, quase todos presentes na Quinta da Atalaia. "A minha gente cresceu neste ambiente, sabe o que é a desigualdade, sabe que é preciso lutar por uma sociedade melhor."
Leva as mão ao peito: "são o meu orgulho, pois." Como o seu orgulho foi a primeira Festa da Alegria, realizada em Braga, fim dos anos 70, trinta mil camaradas na cidade, três comboios especiais com gentes do Sul, ela a levar tachos e talheres de casa para ajudar, e cobertores e lençóis para fazer de cenário para as televisões.
"Acabaram-nos com a festa, pediam-nos um balúrdio para alugar o espaço, o partido não podia pagar", explica. A última edição foi realizada mesmo à porta da Câmara, Mesquita Machado, o presidente, mandou chamar a polícia e tudo.
Mas ela não é mulher de guardar rancores. Guarda o momento em que Paulo de Carvalho cantou: "Não há machado que corte a raiz ao pensamento."