As contas das empresas do empresário de Ovar preso no âmbito da operação "Face Oculta" não enganam quanto ao seu crescimento vertiginoso. Nos últimos cinco anos, o balanço contabilístico da "O2", por exemplo, terá aumentado cinco vezes.
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São superiores a 34 milhões de euros, os resultados positivos declarados por esta sociedade anónima dedicada à recolha e gestão de resíduos, em 2008. Cinco anos antes, aquele balanço era de sete milhões. E noutra empresa muito referida a propósito da operação policial "Face Oculta", a SCI - Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica, SA, o salto contabilístico vai de seis para 15 milhões de euros, no mesmo espaço de tempo.
Mas estes números devem ser relativizados, a bem de uma avaliação mais realista dos negócios assegurados por Manuel Godinho, com recurso frequente a alegadas práticas de corrupção, tráfico de influências e associação criminosa, ou até furto, segundo as suspeitas investigadas pela Polícia Judiciária de Aveiro, sob a direcção de Teófilo Santiago, e pelo procurador Ministério Público Marques Vidal. Ao todo, já há 14 arguido, entre os quais se destacam Armando Vara, vice-presidente do BCP e José Penedos, presidente da REN.
É por duas ordens de razão, que deve relativizar-se os balanços contabilísticos referidos: porque só dizem respeito a duas das sociedades do universo empresarial de Manuel Godinho; e porque nem todos os negócios suspeitos deste empresário entrariam na contabilidade das empresas - alguns deles terão dado lugar a facturas e documentos análogos emitidos por sociedades que, na realidade, não teriam actividade comercial.
Este último estratagema incluiria, segundo o que está a ser investigado pelas autoridades, a instrumentalização de indivíduos indigentes, que aceitariam simular prestações de serviços e a venda de mercadorias àquelas empresas. Deste modo, haveria deduções indevidas de IVA e empolamento de custos, o que reduzia a tributação de IRC. Ganhava Godinho, perdiam Finanças e contribuintes.
Mas este capítulo da investigação será recheado, ainda, de outros esquemas tortuosos. Para ocultar a identidade, a origem e a dimensão do património de Manuel Godinho, suspeita-se que tenha havido simulação de alienações de bens a favor de testas-de- ferro, que os revendiam a uma sociedade "off-shore", denominada "Summerline Investements Limited", que pertencerá ao sucateiro.
Ao contrário do sucedido na maioria dos processos ligados à criminalidade económica e financeira, em Portugal, a operação "Face Oculta" actuou em cima dos acontecimentos, durante este ano, embora a actividade da suposta rede seja situada entre 2002 e 2007.
Este facto é digno de relevo, uma vez que a celeridade dos investigadores facilita a recolha de provas, num tipo de crime onde elas são difíceis de obter e apagam-se facilmente com o tempo, mas legitima uma interrogação: será que o impressionante crescimento das empresas de Manuel Godinho, verificado entre 2004 e 2008, também vai ser investigado?