<p>O secretário de Estado do Vaticano e amigo pessoal do Papa, cardeal Tarcisio Bertone, terá tido um papel chave no bloqueio ao esclarecimento do caso de um padre norte-americano acusado de abusar de duas centenas de crianças surdas no estado do Wisconsin.</p>
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Segundo documentos da própria Santa Sé reproduzidos ontem pelo semanário alemão "Die Zeit", em divergência com os documentos revelados pelo diário norte-americano "The New York Times", o actual número dois do Vaticano teria inviabilizado a investigação eclesiástica.
Numa reunião de crise, em 1998, no Vaticano, para tratar do caso do padre Lawrence C. Murphy, o cardeal Bertone, amigo de Joseph Ratzinger - o actual Papa, Bento XVI - levantou obstáculos à "eventualidade de um processo" no seio da Igreja, segundo a acta da sessão.
Invocando a "dificuldade imanente do processo no caso de tal crime, que deve ser tratado no segredo mais absoluto", o prelado acrescentou que "os direitos extensos da defesa" em vigor nos EUA e "as dificuldades que poderiam resultar do processo" seriam problemáticos.
Segundo o "Die Zeit", o cardeal Bertone pretendeu "evitar um escândalo ao seu chefe", o cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé entre 1981 e 2005.
A versão "The New York Times"
Os documentos obtidos pelo "The New York Times" indicam outra versão: a de que o actual Papa encobriu as acções do padre Lawrence C. Murphy, acusado de ter abusado de 200 crianças surdas de uma escola de Milwaukee, onde trabalhou de 1950 a 1974.
Esses textos, mantidos secretos durante muito tempo, mencionam uma correspondência em 1996 entre o padre Murphy e o cardeal Joseph Ratzinger, bem como duas cartas do arcebispo do Wisconsin alertando o prefeito para as imputações àquele sacerdote da sua diocese.
Um processo contra o padre Murphy à porta fechada, em tribunal eclesiástico, foi evitado depois de uma carta deste ao cardeal Ratzinger a pedir-lhe que não o fizesse, segundo o diário nova-iorquino.
Recorde-se que o Vaticano defendeu a acção do actual Bento XVI, sublinhando que só fora informado muito tarde, quando o padre Murphy estava velho e doente.
A notícia foi conhecida no dia em que o Papa enfatizou, na oração de Regina Coeli, importância do papel dos padres.
"Todos os cristãos baptizados recebem por missão ser anjos, mensageiros de Cristo, mas os padres, ministros de Cristo, devem sê-lo de maneira especial", disse Bento XVI, que parecia tranquilo após uma Semana Santa ofuscada pelos escândalos de pedofilia que o salpicaram.