Esperança e angústia eram os sentimentos dominantes em casa da mãe de Vítor Braga, 43 anos, em Matosinhos, esta segunda-feira ao final da manhã. "Ele tem muita experiência. Já passou por vária situações complicadas. A não ser que tenha sido uma coisa muito grave ele vai-se salvar." Carla Pinho confiava nas capacidades do tio que por duas vezes escapara a naufrágios. Na segunda, tiraram-no do mar quase a morrer de hipotermia. "Ele já se salvou duas vezes. Ele vai conseguir."
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Sentada na mesa da cozinha, Olívia, 73 anos, observava, com olhos turvados pelas lágrimas, a televisão à espera de notícias do filho. "Foi a ele que eles salvaram. Foi o meu Vítor. Eu sei que foi ele", garantia, cheia de fé. Para não aumentar a angústia, a família optou por não contar que o marinheiro salvo era um espanhol e não o seu Vítor. Era preciso haver esperança.
Olívia enviuvou há três anos e agarrou-se mais a Vítor, o mais novo dos seus sete rebentos. A crueldade do mar não é estranha a Olívia. O marido também era pescador. E passou a arte aos filhos. "É tudo família de pescadores, todos os homens estão ligados ao mar", diz Carla. "Sempre com muito sofrimento e muita angústia."
Na tarde de domingo, Vítor despediu-se da mulher e dos quatros filhos e partiu de Leixões para mais uma faina à cavala no norte de Espanha. A rotina repetia-se há alguns anos, desde que passou a trabalhar com o armador espanhol. Com maiores ou menores sustos, tudo ia correndo bem e, cinco ou seis dias depois, Vítor regressava a casa.
Esta segunda-feira de manhã, quando ouviu na rádio que um navio chamado "Santa Ana" se tinha afundado nas Astúrias, Carla entrou em pânico. Era um dos barcos em que o tio costumava pescar. Ainda pensou que talvez não estivesse naquela embarcação, pois, às vezes, o armador trocava as tripulações. Porém, uma chamada bastou para confirmar os piores receios. Vítor estava mesmo a bordo.
Carla e a mãe foram logo para casa da avó. A notícia espalhou-se e mais família e os amigos foram aparecendo. As gentes do mar não fogem nas horas difíceis. A mulher e os filhos de Vítor preferiram ficar na própria casa. À espera de boas novas e com muita fé de que o pai vai voltar em breve para o lar. v
Um dos corpos resgatados a meio da manhã de ontem foi o de Francisco Rodrigues, 63 anos. Na sua casa, em Leça da Palmeira, imperavam a dor e um luto silencioso. O mestre de leme até já se poderia ter reformado, mas como a filha sofreu recentemente um AVC optou por se manter no ativo.