Religião poderá estar na base das grandes diferenças regionais da festa brava. Se no Porto há quem peça o regresso das praças de touros, noutras cidades adoptam-se medidas proibitivas.
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"Queremos uma praça de toiros no Porto". Este é um novo grupo no Facebook que quer inverter o domínio da festa brava no Sul, perante um Norte desfasado e um cenário de diferenças regionais, que poderá ser explicado pela religiosidade, defendem especialistas.
Ao analisar a distribuição dos recintos de espectáculos taurinos em Portugal [ver infografia em cima] é inevitável não tirar duas conclusões: as regiões Centro e Sul dominam, estando o Norte em clara desvantagem, e o arquipélago dos Açores dá cartas no sector.
Ora, se entre o povo açoriano a festa brava ganha adeptos e se institucionaliza, a Norte ou desaparecem praças, como a de Viana do Castelo, que se auto proclamou cidade "antitourada", ou se proíbe aquela tradição - Braga. Excepções para as festas populares em Trás-os-Montes ou para a capital do toureio nortenho, Póvoa do Varzim.
Para o sociólogo Luís Capucha, tais diferença regionais devem-se, essencialmente a questões religiosas. "A Norte existe maior influência da Igreja. A mesma que durante séculos esteve contra culturas alternativas e perseguiu rituais pré-cristãos, como o culto ao touro", adianta o autor de "Tauromaquia e identidades culturais".
"A praça de touros é muito recente [300 anos], relativamente às liturgias e jogos taurinos que, antes, eram nos terreiros, nas ruas e em campo aberto. A difusão da clássica praça de touros, deve ter tido origem na difusão da urbanidade tradicional, acrescida do facto de a tradição religiosa ancestral do sacrifício de touros às divindades ser mais mediterrânica", justifica, por outro lado, o etnólogo e sociólogo Moisés Espírito Santos, salientando que "os jogos taurinos são lições de valentia", sendo "um dos remédios contra a educação castradora, proteccionista e infantilizante da cultura moderna".
Porto deu cartas na festa brava
Certo é que no Porto, após um incêndio que, em pouco mais de meia hora, destruiu em 1926 a última praça de touros da cidade, localizada na Rotunda da Boavista, nunca mais houve espectáculos taurinos dignos desse nome. Estranha-se ainda mais quando a tourada estava tão arreigada que chegou a contar com uma mega praça para 7000 pessoas, com arquitectura árabe, na Praça da Alegria.
"No Porto impuseram-se outros valores, entre eles, além da religião, uma certa cultura libertária de querer ser diferente da 'Lisboa das touradas'", traduz Luís Capucha, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, que desvaloriza o facto de Cascais e Sintra terem adoptado recentemente posturas anti-festa.
Considera Moisés Espírito Santo que este movimento se trata da "emanação duma cultura urbana estereotipada e artificial". " Partem do afecto que têm pelo cão e pelo gato domésticos e decidem para todas as espécies e castas de animais. Estes grupos são uma variante de fascismo moderno: pretendem igualizar-nos, todos, nos mesmos gostos e tendências", acrescenta o sociólogo.