<p>Eram 17.30 horas quando o navio de cruzeiro "Funchal" atracou no cais de Alcântara, em Lisboa. A bordo viajavam 16 dos turistas portugueses que ficaram feridos, em Marrocos, durante uma excursão de autocarro. À chegada, os passageiros recordaram os momentos de aflição que viveram após o acidente, no qual morreram nove portugueses.</p>
Corpo do artigo
A embarcação zarpou de Ceuta ontem, quarta-feira, pelas 20 horas (19 horas em Lisboa) e atracou esta tarde, quinta-feira, no terminal de cruzeiros de Alcântara, em Lisboa, onde vários familiares e amigos aguardavam com grande ansiedade.
Com a voz embargada pela emoção e bastante combalido, Júlio Couto - um dos 16 feridos que viajaram no navio de cruzeiro "Funchal" - soltou um "Estamos vivos!" assim que saiu do terminal de Alcântara, em Lisboa. Júlio Couto e a mulher viajavam no autocarro que na manhã de quarta-feira se despistou perto da localidade marroquina de Castillejos.
Apesar de também ter ficado ferido (tanto ele como a mulher chegaram com colares cervicais), Júlio Couto não hesitou em "tirar os feridos do autocarro e tentar ajudá-los". Esforçando-se por conter as lágrimas, disse estar profundamente agradecido pelo apoio que tiveram em Ceuta.
O navio de cruzeiro atracou no cais de Alcântara pelas 17.30 horas, mas só cerca de meia hora mais tarde começaram a sair os primeiros passageiros, para desespero dos familiares que os aguardavam. Os primeiros a sair foram os 12 feridos que inspiravam mais cuidados, encaminhados em oito ambulâncias para os hospitais da CUF, em Lisboa.
Cabisbaixos e com ar visivelmente cansado, alguns saíram a chorar. Foi o caso de Carla Espanhol, 60 anos, que viajou com duas primas. Contou que não seguiram no autocarro acidentado, porque se atrasaram a fazer o check-in. "Foi a minha sorte", disse, abraçada à cadela Kikas.
João Paulo Peixoto, que participava na excursão a Tétouan, também foi tocado pela sorte. "Fizeram mal as contas quanto ao número de lugares disponíveis no primeiro autocarro. Eu, o meu filho e outras duas pessoas acabámos por viajar no segundo".
Helena Silva, uma estudante de enfermagem de 20 anos, que participou neste "Cruzeiro do Fado" com o namorado, viajava num dos cinco autocarros que faziam a excursão a Tétouan, no norte de Marrocos.
À chegada a Lisboa, a jovem recordou o acidente no qual nove turistas portugueses morreram. “Quando cheguei ao local, vi o autocarro de rodas para o ar, com fumo a sair e o motor ainda a trabalhar”, contou, bastante emocionada.
Havia “muitas pessoas a gritar e a tentar partir os vidros das janelas para tentarem sair e muito sangue por todo o lado”, disse. “As pessoas estavam muito assustadas, a gritar. Tentámos acalmar-nos uns aos outros”.
No curso de enfermagem é transmitido aos futuros profissionais que devem agir com distanciamento em casos de emergência. “Mas é difícil manter a calma nestas situações e tentar ajudar os outros porque estamos sempre a pensar que podíamos ter sido nós”, confessou ao JN.
Helena Silva contou ainda que Tânia, a menina de 10 anos que perdeu os avós, esteve 1.30 horas à espera que chegasse um veículo de desencarceramento e que só quatro horas após o despiste foi resgatada do autocarro.
Esta estudante de enfermagem dirigiu fortes críticas ao operador turístico, dando o exemplo de uma outra criança de 10 anos, que conseguiu sair do veículo sinistrado pelos próprios meios. De acordo com Helena Silva, a menina só gritava pela avó (que morreu no acidente) e não teve qualquer acompanhamento por parte da tripulação do "Funchal" na viagem de regresso a Lisboa.
Rui Vieira Nery, musicólogo convidado do "Cruzeiro do Fado", fez um balanço trágico da viagem. Contou, à chegada, que na viagem de regresso “houve muita tristeza pela perda das pessoas e as actividades culturais previstas a bordo foram canceladas”.
Ao contrário de Helena Silva, o musicólogo diz ter sentido muito apoio por parte da tripulação, que tentou que "o ambiente fosse o mais normal possível".
Esta viagem - o "Cruzeiro do Fado" - começou no passado domingo, em Lisboa, tendo os participantes passado por Gibraltar, Málaga e Ceuta, antes do regresso a Portugal.