Em Teluk Meranti, aldeia indonésia bem no meio de uma das florestas mais importantes do Globo, a iluminação pública arranca às 18 horas. É então que entra em funcionamento o gerador comunitário, para ser desligado outra vez às 6 horas da manhã.
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No entretanto, quem quiser energia eléctrica tem de ter o próprio gerador. É apenas mais um sinal do abandono a que a região se sente votada.
Romesh, sorriso permanente, pergunta: "Não ouviste um barulho, durante o almoço? Era o gerador". Terminou o liceu há poucos anos e, desde Janeiro, o seu trabalho é manter a presença numa aldeia apanhada no centro de uma guerra entre um gigante empresarial da pasta de papel, a APRIL, e a maioria dos habitantes, dispostos a proteger o seu modo de vida e a natureza que lhes assegura a subsistência. Romesh é funcionário da Scale Up, organização não-governamental com sede em Pekanbaru, capital da província de Riau, na ilha de Sumatra.
"Não estou sempre aqui. De vez em quando, vou a Pekanbaru". Pelo menos uma vez por mês, Romesh e os outros dois funcionários da Scale Up que ali permanecem têm de fazer uma ronda pela aldeia, para debater com os habitantes o ponto em que está o processo de concessão para cultivo de acácias para fabrico de pasta de papel de 45 mil dos cerca de 400 mil hectares que restam à Península de Kampar .
Neste momento, há uma ordem do Governo Central, do Ministério das Florestas, que obriga a RAPP, empresa do grupo APRIL, a parar os trabalhos de limpeza da floresta e plantação de acácias. "Mas ninguém sabe, de facto, se os trabalhos estão parados", explica ao JN Arry Bule, o director-adjunto da Scale Up. Os trabalhos que se sabe terem já avançado ficam numa zona distante dos olhares. "A RAPP diz que as operações estão suspensas, mas nada nos garante que assim seja", acrescenta Arry, lembrando que pouca ajuda se pode esperar do governo. Ou melhor, dos governos, já que ali se sobrepõem poderes nacionais, provinciais e distritais...
"Este é o problema central", explica o responsável da Scale Up. "A multiplicação de poderes, em que todos estes níveis legislam sobre a florestas" é a principal causa da tensão contínua que existe na província de Riau envolvendo as disputas pela floresta.
A Scale Up defende uma solução sintetizada numa sigla em inglês: FPIC - Free Prior Informed Consent. Consentimento sujeito a conhecimento prévio. "Os habitantes das várias aldeias da Península de Kampar devem ter a possibilidade de conhecer previamente os projectos de desflorestação e ter uma palavra a dizer sobre o assunto", insiste Arry Bule. "É isto que defende a Carta dos Direitos Humanos das Nações Unidas".
Mas não foi isso que aconteceu em Teluk Meranti, sede de um subdistrito com dez aldeias. "A RAPP obteve autorização do Governo para plantar acácias em Junho, mas só em Setembro veio às aldeias para informar a população sobre o que ia acontecer!", diz Mohamed Yusuf, um dos líderes de Teluk Meranti.
A Scale Up e várias organizações não-governamentais escreveram ao presidente da APRIL pedindo que a empresa aplique o procedimento FPIC antes de avançar na Península de Kampar. Uma segunda carta foi enviada no dia 23 de Novembro. "Até agora, continuamos sem resposta", diz Arry Bule.
Se as organizações governamentais falam em informação e negociação, em Teluk Meranti a frase-chave é outra: "Não há nenhuma solução que envolva a RAPP. Qualquer solução da companhia prejudica a aldeia e a sua sobrevivência", vaticina Mohamed Yusuf. "Todas as culturas que se fazem nas zonas junto das concessões morrem. Assim como os peixes! A fertilização e a secagem do solo para a plantação das acácias matam tudo em redor".