Segunda maior floresta de turfa do Mundo está a desaparecer ao ritmo de 200 mil hectarespor ano. E o risco não é só para os locais, que perdem meios de subsistência. É para o planeta.
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A segunda maior floresta de turfa do Mundo está a perder 200 mil hectares por ano. Mas, em Sumatra, não é só o ambiente que está em risco. É a sobrevivência de aldeias inteiras, privadas do seu meio de subsistência.
A vasta floresta de turfa da ilha de Sumatra, na Indonésia, a segunda maior do planeta a seguir à da Papua, armazena no seu interior milhões de toneladas de dióxido de carbono. Muslim Rasyid diz que existem 2,5 milhões de hectares de floresta na ilha, dos quais 1,6 milhões são zonas de turfa, incluindo os pântanos. O perigo está bem à vista diz o responsável da Jikalahari, uma organização não governamental que actua na província de Riau: "Nos últimos cinco anos o nível de desflorestação atingiu os 200 mil hectares por ano", pondo em risco um importante sumidouro de dióxido de carbono e contribuindo para o efeito de estufa.
Numa fase em que as alterações climáticas estão no centro da atenção em todo o Mundo, as organizações de defesa da floresta e dos direitos dos habitantes dessas zonas, em risco de perderem o acesso a um território que desde sempre lhes garantiu a sobrevivência, ganham um novo ânimo. Mas deixam, ao mesmo tempo, um aviso: "Achamos que o Governo quer fazer boa figura durante a cimeira de Copenhaga. Assim que a cimeira acabar, as operações recomeçam".
As operações de que fala Muslim Rasyid são os trabalhos de limpeza da floresta e plantação de acácias na Península de Kampar. "Em 1984 a península de Kampar tinha 600 mil hectares de floresta. Em 2007, restavam 400 mil", lança Muslim, em jeito de balanço.
Em Teluk Meranti, a aldeia sede do sub-distrito com o mesmo nome e que engloba nove aldeias, os habitantes estão perfeitamente cientes do risco que correm se a floresta que está logo ali, na outra margem do rio, desaparecer. Mohamed Yusuf, o líder cultural da aldeia, enumera os riscos sem hesitação: "Se a RAPP conseguir a concessão que está no centro do conflito na Península de Kampar, a população perde todos os seus rendimentos. As pessoas deixam de poder ir buscar madeira e outros materiais à floresta e todas as culturas que se fazem nas áreas perto das concessões tornam-se inviáveis, assim como a pesca". "É por causa dos fertilizantes usados nas plantações. Mata as culturas e os peixes", acrescenta Hajrusman, o líder religioso.
Mas há mais riscos. Mohamed Yusuf aponta o dos animais selvagens: "Sem floresta, os animais selvagens aproximam-se da aldeia e estragam as culturas". E não são apenas as culturas que estão em perigo: "Em Pulau Muda, uma outra aldeia junto a uma zona já desflorestada, os tigres começaram a vir à aldeia à procura de alimento e várias pessoas foram atacadas com gravidade por porcos selvagens".
Mohamed Yusuf, tal como a grande maioria dos habitantes de Teluk Meranti, retira da terra o seu sustento, principalmente do cultivo de milho. O resto, são três ou quatro hectares de produção de óleo de palma que ajuda a sustentar a família. Ou seja, a aldeia de cerca de três mil habitantes corre o risco de ficar sem qualquer fonte de rendimento. Os poucos pescadores da aldeia perdem também o seu trabalho: "A água que vem das zonas desflorestadas mata os peixes".
Mais uma vez, os exemplos conhecidos do que aconteceu em outras concessões cria ainda mais receios. Hajrusman tem outras preocupações, para além das económicas. "Isto já aconteceu noutras aldeias! Era isto que eu temia". Fala, agora, da divisão da aldeia entre aqueles que apoiam as operações da RAPP e os que defende a continuidade de Teluk Meranti tal como é agora, mesmo que estes sejam uma larga maioria e os outros, os adeptos da plantação de acácias, sejam o chefe da aldeia, o lurah Hasan, e pouco mais.
Hajrusman não vê, por isso, qualquer benefício com a vinda da RAPP para uma zona que Teluk Meranti reclama como sua, mesmo que não tenha documentos que o provem. Aliás, foi nessas mesmas terras, recorda outro dos habitantes mais velhos, que a aldeia já esteve instalada e de onde se mudou, ainda no século XIX, para uma zona mais alta e menos sujeita às inundações.
O líder religioso da aldeia retoma os argumentos contra a destruição da floresta e, mais uma vez, os exemplos chegam de outras aldeias: "Nunca ninguém tirou qualquer benefício da chegada da companhia. Os habitantes não têm qualificações para aquele tipo de trabalho e não arranjam emprego".
Apesar da preocupação generalizada, os habitantes mantêm uma grande incógnita: o que será de Teluk Meranti se a plantação de acácias se concretizar? Sem agricultura, sem pesca, sem a madeira e os produtos que retiram da floresta, como vai sobreviver a maioria das 800 famílias que ali vivem, ligadas ao mundo por pequenos barcos a motor e por uma estrada de terra batida que se transforma num lamaçal quase intransponível durante a época das chuvas?
Habituados a pouco, muito pouco, os habitantes de Teluk Meranti dizem-se dispostos a resistir e ganharam uma nova força quando perceberam que a sua luta era, afinal, muito maior do que pensavam.