No Cura do chef lisboeta Rodolfo Lavrador, a couve-flor assume a forma de uma sobremesa, o Bulhão Pato identifica-se através de um leche de tigre e a portugalidade nunca sai da equação. Há dois menus, ajustados às temporadas, para conhecer no restaurante Michelin do hotel Ritz
Este texto começa pelo final, no momento em que é servida a sobremesa de gelado de alperce e couve-flor com um rolinho de couve-flor, gel de chá-preto açoriano e esferas de alperce e chá-preto. E petazetas, responsáveis pelos estalidos na boca, em jeito de celebração dos dez momentos do menu Percurso. O prato doce, resultado do engenho e arte do chef executivo Rodolfo Lavrador e da sous-chef Marina Garcia, demonstra o nível de criatividade da equipa de 12 pessoas e o arrojo que procuram imprimir no Cura premiado com estrela Michelin.
O cozinheiro com 30 anos era, até fevereiro, sous-chef de Pedro Pena Bastos, que decidiu sair. Assumiu o lugar de chefia com confiança e "respeito e humildade" pelo trabalho do antecessor, e num processo de transição que considerou "orgânico", procurou "virar a página e começar do zero". "É, de certa forma, um restaurante novo", afirma Rodolfo Lavrador, ainda que as mexidas na equipa tenham sido pouco expressivas: Marina Garcia subiu um degrau, de sous-chef júnior para número dois, e no serviço de sala, mais descontraído, houve uma "mudança de discurso".
Marina Garcia e Rodolfo Lavrador, no restaurante Cura. Foto: Hayley Kelsing Photography
Sólido a nível criativo, técnico e na qualidade dos produtos e menus apresentados, o Cura tem mantido a estrela Michelin desde que abriu em 2020 e este ano estreou-se na reputada lista da "50 Best Discovery", que seleciona locais para jantar, beber e viajar pelo Mundo com base nos votos de especialistas. Paralelamente, no regresso do Guia Repsol a Portugal, o restaurante foi distinguido com dois Sóis: "Aposta na inovação, criatividade e serviço de excelência; Domínio da técnica e procura das melhores matérias-primas. Merece os quilómetros percorridos", lê-se.
O conceito de alta-cozinha do Cura manteve-se, aludindo a uma curadoria rigorosa de receitas, produtos e técnicas arreigadas na portugalidade. "Estamos a captar a essência da cozinha com técnicas inovadoras e ingredientes frescos para elevar os sabores familiares", desvenda o chef, para quem a criatividade depende da exploração constante de "flores, vegetais, fermentações e muito mais". Os pais já lhe haviam descoberto a apetência para a culinária, que levou a melhor perante a advocacia. O curso na International Culinary Center em Nova Iorque marcou o início.
Dos EUA, Rodolfo Lavrador viajou para o Agern, um restaurante escandinavo com uma estrela Michelin em Londres, e depois trabalhou ao lado do chef Nuno Mendes no Mãos, em East End. De volta a Portugal, entrou como chef de cozinha no Ofício e em 2022 ingressou no Cura como sous-chef. "Queria voltar ao fine-dining. Dá-me mais espaço à criatividade e a combinações de ingredientes improváveis", justifica. E encetou relações com novos produtores, como a Quinta do Vale Paraíso no Fundão, que cultiva o feijão bago de arroz usado no prato da lula açoriana.
Memórias, cheiros e pão
O menu Percurso, com dez momentos, caminha pelos territórios emocionais de Rodolfo e respetiva equipa, "crucial para desenvolver os menus". "No final, percebemos que os pratos têm o sabor do que é português", ainda que incorporem técnicas ou influências de outras latitudes. O prato de lírio dos Açores com pepino, berbigão, wasabi fresco e molho de leche de tigre feito de aparas do peixe com iogurte grego é disso exemplo, podendo identificar-se a nuance do Bulhão Pato. Em prol da sustentabilidade é também priorizado o aproveitamento total dos ingredientes.
No menu do Cura, prova-se igualmente ostra do Sado fumada com cereja do Fundão em picle, folha de ostra e canela; açorda de pão com alho e coentros com carabineiro grelhado e respetivo caldo; e um único prato de carne, de presa de porco ibérico grelhada, endívias grelhadas, lima-caviar, figos algarvios e molho à moda da Bairrada. O menu é intervalado com o momento do pão, 24 horas fermentado, e que inclui um pão de leite tipo brioche infundido com alga wakame e nori a que é bastante difícil resistir. Ambos constam de uma recente lista dos "World"s 50 Best Discovery" sobre pães.
Além do referido menu de dez momentos, o restaurante oferece o menu Passo, de cinco pratos, onde a portugalidade se revela de forma mais sucinta. Ambos têm como opção a harmonização com vinhos, a cargo do sommelier Diogo Martinho, que é também o chefe de sala, ou com bebidas não alcoólicas. A pedido, Rodolfo Lavrador também consegue adaptar os menus a clientes vegetarianos.
Cura
Rua Rodrigo da Fonseca, 88, Lisboa
Tel.: 213 811 401
Web: www.fourseasons.com
Das 19h às 22h. Não encerra
Menu Percurso, 185 euros; Menu Passo, 155 euros. Harmonizações vínicas desde 95 euros; sem álcool desde 65 euros