O presidente da República afirmou, esta quinta-feira, que a política de Saúde em Portugal beneficiaria de uma "convergência ampla", onde as "linhas essenciais" de um acordo de regime permitiriam "opções de médio e longo prazo".
Numa conferência no Iscte, em Lisboa, sobre os 50 anos do Serviço Médico na Periferia, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma longa consideração, de mais de 45 minutos, sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Esperava-se que, esta quinta-feira, o chefe de Estado fizesse uma avaliação da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, sobretudo depois de terem sido noticiados, na quarta-feira, eventuais cortes com as despesas na atividade assistencial das unidades locais de saúde (ULS).
A governante chegou a ter presença marcada no mesmo evento, mas cancelou a ida, argumentando a preparação para a audição de sexta-feira no Parlamento, a propósito do Orçamento de Estado de 2026. Minutos antes da intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa no Iscte, o Ministério da Saúde enviou um comunicado às redações, em que aponta que haverá, no próximo ano, uma "otimização dos recursos existentes", à semelhança do que já tinha dito Luís Montenegro na véspera.
O presidente da República não referiu, esta quinta-feira, o nome da ministra, mas alertou para a necessidade de haver um "acordo de regime" para a Saúde, de forma a que o SNS não fique refém das políticas de quem está no Governo. Caso contrário, disse Marcelo Rebelo de Sousa, "não há política de Saúde ou saúde que aguente".
"A primeira grande questão é se deve haver ou não um acordo nacional sobre matéria de Saúde. Ou, se não é possível um acordo nacional, um acordo de regime suficientemente amplo, em termos de protagonistas. Para que cada Governo que entra, não entre com uma política de Saúde", apontou o presidente da República. O chefe de Estado admitiu que, hoje, é mais difícil definir políticas devido a clivagens entre partidos e na sociedade, mas acrescentou que há "espaço para alguma convergência".
Clarificação do papel da Direção-Executiva do SNS
Marcelo Rebelo de Sousa pediu também para se fazer uma reflexão sobre quais são as responsabilidades da Direção-Executiva do SNS, em contraposição com as do Ministério da Saúde. Apesar da transição de governos e de políticas de Saúde, nos últimos anos, em Portugal, foram criados problemas "por não se saber quem devia intervir".
"Os sinais já começaram na governação anterior [PS], porque já o ministro da Saúde [Manuel Pizarro] foi chamado a intervir sobre casos em pontos diversos do país, que, em teoria, seria uma responsabilidade da nova estrutura montada, mas que estava em transição", referiu. Para o presidente da República, as "linhas cinzentas" na organização e gestão do SNS levam à "multiplicação de problemas e à dificuldade da sua resolução".
De recordar que o primeiro cargo de diretor-executivo do SNS foi ocupado por Fernando Araújo, escolhido pelo Governo socialista de António Costa. Depois da tomada de posse do Executivo da AD, o antigo presidente do conselho de administração do Hospital de São João demitiu-se, justificando que não pretendia ser um obstáculo à implementação das medidas e políticas que a então nova ministra da Saúde, Ana Paula Martins, quisesse implementar. O atual diretor-executivo é Álvaro Almeida, depois de Gandra d'Almeida também se ter demitido.
Setor social financiado pelo público
O presidente da República afirmou ainda, esta quinta-feira, que "quem financia substancialmente o setor social é o setor público". Para Marcelo rebelo de Sousa, quem governa, independentemente de haver ou não um acordo de regime, "tem de um dia tomar uma decisão sobre o que deve ser SNS, o que deve ser setor social e o que deve ser setor privado lucrativo".
"Sem definir isto com alguma clareza, é muito difícil ter um quadro de atuação política. A atuação política passa a ser casuística. Há um buraco aqui, há um remendo a fazer acolá, há aqui uma emergência... Começa a haver cada vez mais planos de urgência ou de emergência, nomeadamente no início dos vários executivos", apontou.
O chefe de Estado dá o exemplo de possíveis parcerias entre o setor público e o setor privado nos cuidados primários, uma área onde aponta ser necessário um "reforço", devido "à evolução demográfica e à mobilidade no país". Sem um "reforço" nos centros de saúde, "tudo vai cair em cima de outras realidades dos cuidados de saúde, nomeadamente os hospitalares", salientou.