Luca Argel transformou em espetáculo o seu disco-jornal de 2021 "Samba de guerrilha". O resultado sobe esta quarta-feira ao palco do Coliseu Porto Ageas, às 22 horas, no àmbito do DDD - Festival Dias da Dança.
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"Uma grande viagem histórica e sensorial, com vários estímulos em simultâneo, que resulta num espetáculo imersivo e contagiante." Eis a proposta de Luca Argel, cantor carioca radicado no Porto desde 2012 que apresenta esta quarta-feira, no âmbito do DDD - Festival Dias da Dança, "Samba de guerrilha em cena", uma transposição para o palco do seu álbum de 2021 que problematiza a história do samba e do Brasil.
Materializado num jornal cujas notícias contestam a versão oficial sobre o processo de abolição da escravatura no Brasil e suas consequências, "Samba de guerrilha" segue o rasto do samba, em composições históricas de músicos como Paulinho da Viola, Nelson Sargento ou Alfredo Português, para compreender o modo como o género "se encaixa na história do Brasil, como é que ele surgiu e quem são as pessoas que o inventaram", explica o cantor ao JN.
Na base do espetáculo está a pesquisa que conduziu à criação do álbum, um "samba ópera", como lhe chamou o músico - a arqueologia do género, que resultou na recolha dos temas a que Luca emprestou novos arranjos, e a imersão em obras que disputam "a versão da história que se ensina nas escolas", como "Dicionário da escravidão e liberdade", conjunto de textos críticos organizado por Lilia Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes - e a combinação das várias linguagens que estarão presentes em palco: a música interpretada por um quinteto, os textos narrados por Nádia Yracema e a cenografia multimédia desenhada em tempo real por António Jorge Gonçalves. O que gera, nas palavras do músico, "uma argamassa com todos esses elementos, que deverão ajudar-se mutuamente e não atrapalhar-se".
O objetivo, diz, "é aprofundar a visão que as pessoas têm do samba, que é muito associado ao Carnaval e à festa, o que em parte é verdade, mas ele não é só escapismo e alienação, tem também um lado de intervenção muito forte". Desde os concertos de lançamento do álbum, em que o cantor contextualizava as músicas, que há essa intenção de "fomentar o debate político e apontar problemas históricos recorrentes de que o samba fez crónica". Tópicos como a "desigualdade social, o racismo ou o autoritarismo" deverão servir também como "espelho para Portugal", diz o músico: "Interessa-me a relação entre a história dos dois países, colocando o samba nessa mistura e sempre ao serviço de uma reflexão social".
Tratando-se de um festival de dança, a questão é inevitável - como se relaciona o espetáculo com o movimento? "Há uma dinâmica própria entre a narração visual - o trabalho do António Jorge - e as palavras interpretadas pela Nádia. E a música vai criando momentos propícios para a dança. Vamos estimular o público a levantar-se e a dançar connosco", promete Argel.
"Samba de guerrilha em cena" , com Luca Argel, Nádia Yracema, e António Jorge Gonçalves, quarta-feira 27 no Coliseu Porto Ageas, às 22 horas.