Sempre que se aproximam os ciclos eleitorais, regressa o debate sobre como combater a corrupção em Portugal, uma questão particularmente grave tendo em conta a falta de consenso entre os partidos (sobretudo PSD e PS). Conhecendo-se a dificuldade detetar e punir este tipo de crimes, uma nova lei ajuda alguma coisa?
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Agostinho Guedes, Alberto Nogueira, Carlos Moreno, Joana Pascoal e Luísa Neto consideram que o problema da corrupção não se resolve (apenas) com nova legislação. É necessário perceber a complexidade de situações que a envolvem e verificar se há meios humanos e administrativos para tornar esta luta eficaz. A seguir, como sublinha Manuel Sousa, "aumentar a moldura aplicável e a responsabilização pessoal dos responsáveis em termos de reparação dos prejuízos" para além do "alargamento dos prazos de prescrição".
[perguntas]
[1] Governo e oposição vão debater um novo diploma para combate à corrupção. O que pode/deve mudar?
[2] A fuga, ao longo de mais de um mês, de um presumível homicida em Trás os Montes é relevante (em algum critério) quanto à segurança ou justiça do país?
[respostas]
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Como já tenho dito muitas vezes, mudar as leis não resolve todos os problemas. Vista a questão de fora (e ressalvo este aspeto), parece-me que falta investigação de melhor qualidade, mais empenho pessoal e institucional no combate a este tipo de crimes. Será que os nossos agentes têm formação adequada para investigar este tipo de crimes?
[2] Espero que não. Espero que tenha sido resultado de uma estratégia pensada pelas polícias.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] Sempre que há crise/problemas, o poder político resolve mudar a lei. Para ficar tudo como dantes. O que deve fazer é alterar procedimentos a começar por dentro, na Administração Pública, Governo, Autarquias. Isso é que alteraria a situação. Dotar os investigadores de instrumentos adequados. E deixar a lei em paz.
[2] Naturalmente que a Justiça não tem nada a ver com fugas. Desde que não tenha actuado com dolo ou negligência. Não seja, ou não tenha sido, cúmplice.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de finanças públicas
[1] O combate à corrupção já não se faz por diploma. Depende de mudança radical da opinião pública, inversão do ónus da prova no enriquecimento ilícito e adopção de novos parâmetros na gestão dos dinheiros e do património públicos - transparência, concorrência, boa gestão, exemplo público visível de contenção e de assunção tempestiva de responsabilidades.
[2] Transformou-se num episódio caricato!
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] Urge fazer uma simplificação dos procedimentos que estão na base deste fenómeno. E fazer uma clara imputação de responsabilidades nos processos, quer na fase preparatória dos contratos quer na sua realização. Um exemplo do que não pode continuar - o regime das contrapartidas como critério de escolha no âmbito da contratação pública. No âmbito penal, aumentar a moldura aplicável e a responsabilização pessoal dos responsáveis em termos de reparação dos prejuízos. E alargar os prazos de prescrição.
[2] Não creio. A acção das forças policiais foi a adequada e funcionou a colaboração PJ/GNR. A recente captura do arguido demonstrou isso mesmo.
Joana Pascoal, advogada e atual presidente da Associação Jovens Advogados
[1] O que me parece inovador e relevante nestas propostas é a mudança de paradigma da relação entre Administração e Particular. É imperiosa a adopção de um princípio de transparência e publicidade da actividade administrativa. Fez-se com os tribunais, faça-se com a Administração Pública.
[2] Quando escrevo estas linhas já foi capturado. A morosidade da detenção, 34 dias, só é compreensível pelas características do terreno e falta ou inadequação de meios das polícias para as buscas.
Luísa Neto, jurista e professora associada da faculdade de Direito da Universidade do Porto
[1] Há já suficientes diplomas normativos aplicáveis aos casos de corrupção - alguns deles aliás resultantes de compromissos internacionais de vinculação do Estado português. Acrescentar mais um diploma - ainda por cima se com soluções de duvidosa constitucionalidade - não só nada resolve como adensa o emaranhado intrincado de previsões sem consequência.
[2] Não parece que um caso isolado de fuga seja por si só relevante nos termos referidos. Valerá a pena apenas avaliar se resulta ou não de deficit de alocação de meios de investigação.
Maria Manuela Silva, diretora do departamento de direito da universidade portucalense
[1] Muito deve mudar, não só na legislação como nas mentalidades. A lei por si só não será suficiente, a própria crise e a austeridade podem ser fator facilitador da corrupção.
[2] Num estado de Direito Democrático a segurança é um dos objetivos a atingir, quer a individual quer a coletiva. É evidente que ambas são postas em causa e a justiça também, talvez se possa daqui inferir que as forças de segurança ou os meios de que estas dispõem não são suficientes.