Caitríona Balfe é uma das presenças femininas de “O Amador”, já nos cinemas.
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Irlandesa, de 45 anos, Caitríona Balfe é mais conhecida como a protagonista da popular série “Outlander”, que ocupou praticamente uma década da sua vida e da sua carreira. Terminada a última temporada, vemo-la agora na personagem Inquiline, a presença misteriosa, quase até ao fim, do thriller de espionagem “O Amador”, já nos cinemas, onde contracena com Rami Malek. Estivemos a conversar com Caitríona Balfe.
O que pensou ao ler pela primeira vez o guião?
Senti logo alguma coisa em relação à personagem. A sua dor foi algo que me tocou. Fiquei também muito interessada em explorar a sua solidão, o que seria uma pessoa ter de se esconder e viver sozinha durante tanto tempo.
Uma coisa é a história no papel, outra é o resultado final. Quando viu o filme, ficou admirada com o seu visual e com a sua dinâmica?
Para começar, o elenco do filme é brilhante. Toda a gente trouxe ao filme uma energia fantástica. A Rachel Brosnahan é tão luminosa no seu papel, a Sarah é de certa forma o centro do filme. O Laurence Fishburne é fabuloso, o filme tem tantos atores fantásticos, que dão vida às suas personagens. O Rami é tão magnético, no meio de todos nós. E o James Hawes fez um trabalho incrível. O filme é tão intenso, é uma grande corrida do princípio ao fim, nunca sabemos o que vai acontecer a seguir.
Como é que abordou uma personagem tão enigmática?
A Inquiline é uma personagem muito interessante. É alguém que vive na sombra há imenso tempo, que quer desaparecer, e é muito boa a esconder-se, e que neste momento da sua vida a sua principal atividade é desmascarar a corrupção e lutar pela justiça. E isso obriga-a a conectar-se com outras pessoas, na luta por um mundo melhor. Há nela uma estranha dicotomia que me pareceu interessante e que poderia trabalhar. Apesar de não sabermos muito sobre o passado dela, interessava-me construí-lo, para mim mesma.
Como é que construiu esse passado? Nem chegamos a saber o seu nome verdadeiro…
Faço sempre isso com as minhas personagens. É muito importante construí-las dessa forma. Na cena do jantar com o Rami, quisemos improvisar um pouco e demos-lhe um nome, mas apenas como um exercício de confiança para ela. É um dos prazeres de ser ator, preencher os espaços em branco na história da personagem sem que o espetador tenha necessariamente de o ver, mas que se sente, quando o trabalho está feito.
Que tipo de trabalho de pesquisa efetuou para criar a Inquiline?
Pesquisei sobre uma série de ativistas em todo o mundo. Fui muito inspirada pela Nadya Tolokonnikova, pessoas como ela que tiveram a coragem de se oporem contra regimes muito poderosos. É claro que elas o fazem de uma forma aberta, mas quis encontrar esse tipo de espírito e colocá-lo na personagem de Inquiline.
Sente-se que na forma como criou a personagem há muito de linguagem corporal.
Há algo na Inquiline relacionado como facto de desaparecer e não dar nas vistas, em como projeta a sua energia, que pensei que devia trazer para a sua fisicalidade. Não é ninguém que nos demos conta de que se está a mover num determinado espaço. Ainda bem que se repara nisso.
O local onde ela vive e se escondeu também deve ter ajudado a construir a personagem. Onde é que foram filmadas essas cenas?
É uma pequena e antiga aldeia de pescadores, nos arredores de Marselha. Hoje é muito bonita, mas ainda deve ter sido muito mais antes de construírem ao lado uma enorme refinaria. A câmara só apontou para um lado, porque se olhássemos para trás…
Depois de vários anos na série “Outlander”, este é um novo capítulo na sua carreira e na sua vida?
Espero que sim. É um quarto da minha vida que chegou ao fim. Foi uma história absolutamente fantástica. Quando estava a fazer a série estava sempre à procura de outros trabalhos que pudesse ir fazendo pelo meio e filmei “O Amador” antes de fazer a oitava temporada. Tive imensa sorte em encontrar este magnífico papel. Gosto imenso de fazer filmes, é muito mais fácil do que fazer uma temporada completa de uma série. Mas o sonho é ser capaz de fazer tudo. Vamos ver o que acontece.
No geral, o que procura nas personagens que interpreta?
Tento ser o mais aberta possível. O sonho é ter uma carreira muito variada, onde possa experimentar coisas muito diferentes. É esse o prazer de representar, poder explorar diferentes formas da humanidade e da sociedade. Com este filme, pensei que era um guião muito inteligente e uma abordagem muito diferente e divertida do filme de espionagem. Com uma personagem que, apesar de uma pequena presença, tinha uma grande profundidade e com quem me podia identificar.
Enquanto espectadora, como é que se relaciona com os filmes de espionagem?
O meu pai era um grande fá de thrillers de espionagem. Víamos muitos filmes juntos na televisão. Tornei-me obcecada por filmes e livros deste género, que lidam com agentes da CIA e o lado mais obscuro do que eles fazem, como tentam influenciar a política em todo o mundo e o outro lado do que vemos nos media. Sempre me senti fascinada por isto.
Foi então uma espécie de presente, ter este convite.
Para começar era o James Hawes a realizar e eu adoro o “Slow Horses”. Fiquei muito entusiasmada por ir trabalhar com ele e tenho também uma grande admiração pelo Rami Malek. A personagem dele não é o herói tradicional do filme de espionagem. O filme é uma variação muito interessante do género, muito ligada ao mundo de hoje, com esta capacidade de se usar a tecnologia para navegar nestas arenas. Os hackers à nossa volta fazem parte dos cenários de guerra. O guião era muito inteligente a falar-nos de tudo isto.
Há uma química muito grande que se sente desde logo entre a sua personagem e a do Rami Malek.
O Charlie e a Inquiline têm muitas semelhanças. Ambos vivem num mundo escondido de alta tecnologia, compreendem-no, mas estão um pouco perdidos. E isso é algo que os une. Por isso, quando se conhecem, há desde logo essa conexão entre eles.
Como é que decorreu o trabalho com o Rami?
Já nos conhecemos há uns dez anos, partilhámos alguns círculos sociais. Sempre quis trabalhar com ele e talvez por já termos esse conhecimento um do outro, falámos bastante sobre as nossas próprias experiências na vida real e o que as nossas personagens iriam viver. Houve uma ligação imediata e muito instintiva entre os dois, que nos permitiu mergulhar rapidamente nas personagens.
Como ser humano, como se sente em relação ao facto de estarmos a ser vigiados, algo que não era mesmo necessário ver o filme para compreender?
Faço da parte da geração que se deixou viciar nas novas tecnologias e que está agora a acordar e a perceber que talvez não seja a atitude mais saudável. Penso que todas as tecnologias têm as suas vantagens e as suas armadilhas. Em cada ponto no progresso por que passamos tem de haver uma pausa para reflexão.
Este filme também tem esse papel?
Contadores de histórias, como todos nós somos, devemos fazer uma reflexão sobre o que se está a passar e digeri-la, para que possamos ter a certeza que estamos a ir pelo caminho certo. É verdade que algumas destas tecnologias parecem avançar demasiado rápido para que o possamos fazer, mas é importante que o façamos.
E pensa que essa reflexão está mesmo a ser feita, à velocidade a que todos andamos?
Essa discussão está a acontecer neste momento na nossa sociedade. Estamos todos a parar um pouco para refletir se estamos a usar as tecnologias da forma correta. Se estas tecnologias servirem para o benefício da humanidade, brilhante. Se forem apenas ferramentas comerciais só estarão a beneficiar alguns. O que sinto é que estamos num ponto de viragem.
Aprendeu alguma coisa sobre as novas tecnologias que ainda não sabia e que hoje já usa no seu telefone ou no seu computador?
Gostava que sim, mas sou tão inútil nesse aspeto. O meu pobre marido está constantemente a tentar ensinar-me, mas sou mesmo muito má com as tecnologias.