Três bandas tépidas até à entrada da Unknown Mortal Orchestra. O festival demorou a levantar entusiasmo no primeiro dos quatro dias.
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Os We Trust vão acabar e essa é a notícia do dia em que não houve sobressaltos até o dia tecnicamente terminar. "Após cinco anos gloriosos decidimos parar um tempo", disse André Tentúgal, o ideólogo da pop translúcida e amiga de airplay We Trust, a primeira banda a atuar no primeiro dia do Palco Vodafone, a dar a noticia com uma centena de crianças de Coura em palco atrás de si, como se a notícia fosse um divórcio (mas Tentúgal parecia feliz).
Coura All Stars, esse foi o número comunitário de participação local, uma ideia de atmosfera colorida e orquestral de trabalho de expansão artística com miúdos que levou ao palco uma alegria courense inédita, e espalhou as famílias deles, deliciadas, na quadra da frente do relvado a ver os seus pequeninos no palco maior de Coura. É uma ideia filantrópica mais do que simpática, mas demasiadamente leve, eventualmente, para abrir um grande festival de rock.
Classicamente, considerava-se o dia inaugural como apenas um "aquecimento", só uma entretida "receção ao campista", mas os campistas já cá estão faz dias, estão disponíveis, e essa ideia do primeiro dia menor é um conceito que estará já a mudar.
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Com a encosta muito bem preenchida para um primeiro dia - ainda não há números oficiais de afluência, mas não é arriscado dizer que foi das aberturas mais concorridas de sempre, com gente na encosta quase até lá acima às cabinas da TVI e à varanda alta dos media. O público estava lá, era muito, mas por alguma razão mantinha-se maioritariamente sentado, dois em cada três talvez - e assim continuou, na sorridente tepidez da tarde com os Best Youth e depois já de noite - as noites são terminantemente frias, à noite estamos sempre no outono - com os Minor Victories e o seu torvelinho rendado de shoegaze bem recebido e agradecido mas que também não foi capaz de levantar ninguém.
Sobressaltos do primeiro dia só um - e não foi a Orelha Negra, já depois das duas da manhã, a banda precisa de um vocalista e de um par de coristas que não estejam samplados, e isso e a hora tardia deixaram a encosta vazada a menos de metade - mas esse sobressalto foi excelente e talvez até requintado: depois da meia-noite, a Unknown Mortal Orchestra, que há três anos atuava aqui no palco pequeno Vodafone FM, voltou com um "upgrade" no psicadelismo e nas ancas do R&B, levantando finalmente alvoroço no palco grande e, agora sim, os dois terços do anfiteatro que permaneciam sentados.
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Houve até uma pequena poeira dourada de entusiasmo, agitada nos da frente, quando Ruban Nielsen, o guitarrista e vocalista do quarteto de Portland, EUA, desceu do palco e cantou erguido nas grades e depois se entregou confiado aos braços do público, no primeiro "crowdsurfer" a atirar-se a nós. Duas canções foram maiores, além da nova "Multi-Love": "So good at being in trouble" e "Can't keep checking my phone", duas canções de amor, ou da memória do amor, em que na primeira ele sabe que já perdeu a rapariga e só a rememora e na segunda ainda tem esperança que ela volte, que telefone, que mande mensagem, que ele este sempre a olhar para o telefone. Apontou-se outra mudança, também para melhor: a voz de Ruban, frágil e cascada, faz agora melhor o falsetto e afina-se quase como uma voz feminil, original e personalizada. Belo concerto, hão-de voltar.
Esta quinta-feira, ao segundo dia, o Couraíso - Coura é sempre um paraíso, mesmo quando a temperatura dos artistas ainda não subiu à altura da expectativa dos espectadores - recebe a primeira maratona de 12 horas de música, das seis da tarde às seis da manhã, abre com Riley Walker, fecha com Branko, há 11 bandas, vinte minutos depois da meia-noite serve-se o pico altíssimo (artístico, emocional e orçamental) deste ano: LCD Soundsystem. Só quem esteve nesse noite memoriosa de dilúvio de 2004, quando James Murphy se estreou incógnito em Coura, é que faz uma vaga ideia daquilo que nos pode acontecer.