Inspeção-Geral da Educação abre processo a escola fundada por António Capelo após denúncia
Denúncia chegou à Inspeção-Geral da Educação e Ciência na passada segunda-feira. António Capelo, ator e fundador da Aademia Contemporânea do Espectáculo (ACE), no Porto, acusado por ex-alunos de assédio sexual.
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"A Inspeção-Geral da Educação e Ciência determinou a abertura de um processo de averiguações, na sequência de uma denúncia que deu entrada no dia 8 de setembro", confimou ao JN fonte oficial do Ministério da Educação.
Questionado pelo JN a propósito das queixas de ex-alunos que dizem ter sido vítimas de assédio sexual por parte do ator António Capelo, fundador da Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE), o Ministério confirma que abriu um processo a esta escola artística do Porto.
Vários jovens, incluindo antigos alunos, acusam o ator António Capelo de assédio, tanto nas redes sociais como em contexto de sala de aula, ao longo de anos. O ator nega conduta imprópria e afirma que os gestos de proximidade visavam apenas apoio educativo e afetivo.
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Na quinta-feira, a direção da ACE apresentou a demissão, depois de terem sido noticiadas as denúncias de assédio sexual contra o ator e encenador, antigo diretor artístico, professor e fundador da instituição.
Num comunicado publicado no Instagram, a ACE explicou que a direção se demitiu "na sequência das recentes manifestações públicas e do debate gerado" em torno da instituição. "Consideramos que a escola deve permanecer acima de qualquer controvérsia, e que a criação de um ambiente tranquilo é fundamental para garantir o bom funcionamento do ano letivo que acabou de iniciar e a continuidade do trabalho em prol da comunidade que servimos", lê-se na nota.
Alegações apontam para comportamentos continuados que ator nega
António Capelo, de 69 anos, é acusado por dezenas de jovens, incluindo antigos alunos da ACE Escola de Artes - Teatro do Bolhão, de assédio sexual e moral. As alegações referem comportamentos que teriam ocorrido ao longo de vários anos, envolvendo também mensagens enviadas por redes sociais.
Nas publicações feitas por ex-alunos no Instagram, algumas das mensagens atribuídas a Capelo incluem questões e comentários como "És gay?", "[Estou com] falta de sexo" ou "Queres vir?". Segundo os relatos, o envio destas mensagens era persistente e, por vezes, insistente, mesmo sem receber resposta.
Alguns jovens recordam convites enviados por SMS para encontros em público ou privados, incluindo na residência do ator, no Douro, e afirmam que Capelo ameaçava prejudicar a sua progressão no curso ou na carreira quando recusavam os convites. Um dos alunos garante que terá dito: "No que depender de mim, nunca terás trabalho nesta cidade".
Há ainda relatos de assédio dentro da sala de aula, com episódios que alguns consideram sexualmente inapropriados. Um estudante afirma ter recebido convites para encontros fora da escola desde os 16 anos, enquanto outro recorda que, durante exercícios de interpretação, o ator se terá deitado sobre ele, questionando de forma sugestiva se sentia o seu peso.
A direção da ACE rejeita qualquer alegação de cumplicidade, afirmando não ter recebido queixas formais contra Capelo e esclarecendo que o ator deixou de lecionar há três anos, cessando também funções como diretor artístico.
Ao JN, António Capelo afirmou ter apresentado queixa-crime contra uma página no Instagram que divulgava os testemunhos das alegadas vítimas, garantindo que os gestos de proximidade ou de apoio aos alunos tinham apenas fins educativos e de acompanhamento dos estudantes.
Denúncias individuais e manifestação marcada
As denúncias são, em geral, anónimas, mas, num testemunho escrito, Mia Filipa, antiga aluna da escola e alegada vítima de abuso sexual, conta como a chegada à academia, espaço onde finalmente começou a conseguir encontrar-se, se tornou rapidamente "um pesadelo".
"Foi logo no primeiro ano", relata. "Primeiro eram umas palmadinhas, a dar-me a entender que sabia perfeitamente que eu gostava de rapazes (...). Às vezes, quando passava por mim num sítio mais apertado, punha-me a mão no rabo. Era tipo 'ah, desculpa', como se aquilo tivesse sido sem querer", descreve a agora educadora, de 43 anos, candidata pelas listas do Bloco de Esquerda às eleições autárquicas do Porto.
Em processo de transição de género, Mia identifica-se como pessoa trans feminina e é um dos elementos da Marcha Orgulho LGBTI+ do Porto, que está a convocar uma manifestação à porta da ACE esta segunda-feira, às 18 horas numa iniciativa conjunta com o perfil do Instagram "Não Tenhas Medo", usado para expor queixas contra o ator.
O objetivo é apresentar reivindicações para "parar o abuso no espaço escolar", porque, afirma Mia, "a ACE é símbolo desta tragédia, mas é um problema estrutural, que acontece em outras escolas do país".
Os manifestantes querem pressionar o Ministério Público a abrir uma linha de denúncias segura, em colaboração com a Direção-Geral da Saúde e a Câmara do Porto, exigindo também apoio jurídico, psicológico e indemnizações para as vítimas.