A associação Quebrar o Silêncio manifestou-se preocupada, esta quinta-feira, com os relatos públicos atribuídos ao ator e professor António Capelo e apelou à definição de medidas concretas para proteção de vítimas de assédio e abuso sexual.
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"Estes relatos são perturbadores, mas não surpreendentes. Perturbadores porque descrevem abusos sexuais que não deveriam ter lugar em nenhum espaço de ensino ou de criação artística. Não surpreendentes porque seguem um guião que conhecemos demasiado bem: o de abusadores que exploram posições de poder, beneficiam de silêncio cúmplice e recorrem a estratégias repetidas de manipulação e controlo das vítimas", disse o fundador da associação, Ângelo Fernandes, citado no comunicado.
Na semana passada, começaram a ser divulgadas em páginas nas redes sociais - nomeadamente "Mais um casting" e "Não tenhas medo" - testemunhos de alunos e ex-alunos da ACE, no Porto, a darem conta de um clima de intimidação, abusos e humilhação dentro da escola e de abordagens impróprias de professores.
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Um dos principais visados nos testemunhos é o ator António Capelo, que deu aulas na ACE até 2022. A juntar aos testemunhos partilhados nas redes sociais, surgiu um outro, tornado público pelo Bloco de Esquerda (BE), partido pelo qual Capelo foi mandatário eleitoral.
O ator nega as acusações, tendo dito na quinta-feira, em declarações à Lusa, estar a ser vítima de "uma cabala", com acusações falsas, e assegurou que vai lutar na justiça pela honra e pela verdade.
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"Rejeito categoricamente qualquer tipo de ação que leve a um ato sexual com alunos. Rejeito categoricamente", declarou António Capelo à Lusa, assumindo que leu alguns dos depoimentos que vieram a público e dizendo que "alguns são um bocadinho tontos" e muitos não são de alunos seus.
Na segunda-feira, mais de uma centena de pessoas, entre ex-alunos, professores e funcionários, assim como profissionais da cultura manifestaram-se contra os relatos de abusos na ACE - Escola de Artes, no Porto, e contra o que classificaram de cultura de "medo" em torno da instituição.
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A Quebrar o Silêncio - associação criada para apoiar homens e rapazes sobreviventes de violência e abuso sexual - defende "medidas concretas e urgentes: canais seguros de denúncia, políticas públicas centradas na proteção das vítimas, formação obrigatória para todos os profissionais que trabalhem com crianças e jovens, e um compromisso coletivo de acreditar nas vítimas".
"Se não aprendermos com este caso, haverá muitos outros. A cada silêncio e a cada descrédito, a sociedade portuguesa torna-se cúmplice dos abusadores, e o Estado não pode continuar a falhar neste dever fundamental de proteção", afirmou, ainda, Ângelo Fernandes.
No comunicado divulgado hoje pela Quebrar o Silêncio, aquela associação salienta que em causa está "não apenas a conduta de um homem isolado, mas uma dinâmica estrutural".
"Os testemunhos públicos descrevem um padrão já identificado na literatura especializada e no guia de prevenção da Quebrar o Silêncio: aproximação progressiva, contactos aparentemente inofensivos, mensagens sexualizadas, dessensibilização ao toque e, finalmente, cruzamento das fronteiras entre pedagogia e intimidade", pode ler-se no comunicado.
Ângelo Fernandes acrescenta ainda que também a reação do visado repete padrões vistos noutros casos: "[Ao] apresentar uma queixa-crime contra iniciativas que procuram dar voz às vítimas, como a página Não Tenhas Medo, não está apenas a defender-se: está a tentar inverter a posição de poder e intimidar quem denuncia".
Sobre este assunto, em resposta à Lusa hoje, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República disse que não foi "localizada, até ao momento, qualquer queixa formal".
"Ainda assim, é de salientar que caso cheguem ao conhecimento do Ministério Público factos que integrem a prática de crimes de natureza pública, ainda não prescritos, será instaurado o competente inquérito", acrescentou a mesma fonte.