Espetáculo com música ao vivo revisita a revolução e a preparação da Constituição no pós-25 de Abril. Depois da estreia este fim de semana em Setúbal, passa pelo Montijo e por Guimarães.
Corpo do artigo
Em plena celebração dos 50 anos do 25 de Abril, uma ópera do músico Vítor Rua leva-nos a uma nova visão sobre os acontecimentos históricos que decorreram da Revolução dos Cravos, lançando ainda um olhar sobre “a resposta diversa do ser humano, perante os desafios de ambientes sociais e políticos complexos”. Terceira de uma tetralogia operática sobre constituições portuguesas, a ópera “1976, a evolução dos cravos”, estreia esta sexta-feira, sábado e domingo, no Fórum Municipal Luísa Todi; e passa depois pelo Montijo e por Guimarães.
A 3.ª ópera da Tetralogia sobre Constituições Portuguesas tem música de Vítor Rua e libreto de Risoleta Conceição Pinto Pedro, com produção da Associação Setúbal Voz, direção artística do maestro Jorge Salgueiro, encenação e coreografia de Iolanda Rodrigues e figurinos de Sara Rodrigues.
O desafio de criar este conjunto de espetáculos partiu da Associação Voz Setúbal, em parceria com a Câmara de Setúbal, com objetivo de assinalar um século de constituições portuguesas e estimular tanto o debate sobre a sociedade como a democratização do acesso aos espetáculos de ópera no nosso país, tal como salientou o diretor artístico, Jorge Salgueiro, em entrevista à agência Lusa.
Neste terceiro tomo da tetralogia, juntam-se em palco a Companhia de Ópera de Setúbal, o Coro Setúbal Voz e a Academia de Dança Contemporânea de Setúbal, com uma pequena orquestra ao vivo dirigida por Salgueiro.
A ação decorre entre 1974 e 1976 e leva-nos a conhecer, em preâmbulo, Eulália e Vicente, estudantes aniversários no início da narrativa.
O pai de Eulália, grande latifundiário, assume os custos dos estudos de Vicente e incumbe-o de vigiar Eulália. Vicente torna-se também informador da PIDE, sem que Eulália saiba, com os dois a reagir de forma diferente à realidade pré-revolução e à censura. Já em 75-76, quando foi delineada a Constituição Portuguesa que ainda hoje vigora, Vicente é convidado a integrar um grupo dos melhores alunos assessorando os constitucionalistas, no apoio à Assembleia Constituinte, para a preparação do documento. Meses depois. em Letras, Eulália apresenta a tese: “A deusa Diana, os Dianthus caryophyllus (também conhecidos por cravos) e a Constituição de 76". À saída, é esperada por um descapotável coberto de cravos, conduzido por Vicente.
“Contra todas as aparências, o texto do libreto termina como se iniciou. Começa com um oráculo com o nome de Ouroboros, a serpente que morde a cauda, os opostos que se tocam, o fim que se une ao princípio. Termina da mesma maneira: o abraço, o “casamento” místico dos que estiveram em lados opostos: Eulália, aquela que sempre foi fiel aos valores da liberdade, e Vicente que, pelas suas circunstâncias, condicionamentos e escolhas, esteve do lado dos que se lhe opunham”, explica a autora
do libreto, Risoleta Conceição Pinto Pedro, num texto partilhado com o JN pelo compositor Vítor Rua.
“Repare-se que a revolução, eliminando a perseguição e a censura, veio permitir que muitos abrissem os olhos e vissem o que antes não era permitido. Talvez a simbologia dos cravos na revolução de Abril não seja acidental. Eles são o triunfo da cor, da alegria e da claridade”, refere ainda a autora.
Para o maestro Jorge Salgueiro, o espetáculo, que inclui uma visão psicadélica, rock e experimental, enquadrada no espírito dos anos 70, vai também ao encontro de “uma análise dos comportamentos humanos e da volatilidade, de se mudar consoante as circunstâncias”, disse à Lusa. “Há um jovem que passa informações à PIDE sobre uma jovem, mas acaba por se render ao 25 de Abril e por se apaixonar por ela, e a negociar em cravos e a vender revoluções para estrangeiros”, resumiu.
A ópera estreia dias 12, 13 e 14 de abril no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal e segue depois, a 19 de abril, para a Casa da Música Jorge Peixinho, no Montijo. A 18 de maio passa no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.
A Tetralogia sobre Constituições Portuguesas abarca trabalhos de quatro compositores, libretistas e encenadores portugueses contemporâneos e, além de “1976, a evolução dos cravos”, inclui as já estreadas “1822 – mautempo em Portugal” (estreada em julho de 2023) e “1911, a conspiração da igualdade” (dezembro de 2023). Falta “2030 – a nova ordem”, uma peça distópica com música e libreto de Jorge Salgueiro, a apresentar no final de 2024.