Três anos depois do último concerto em Portugal, os Arcade Fire regressaram para um concerto que convocou todos os sentidos do público, numa profusão instrumental e cénica que terminou com uma chuva de confettis sobre as mais de 47 mil pessoas que se encontravam no recinto.
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A banda canadiana lançou-se a "Reflektor" e "Flashbulb eyes", duas canções do novo disco, "Reflektor" (2013), regressando a "Neighborhood #3 (Power out)" - um clássico do primeiro disco do grupo que surgiu envolto numa explosão de luzes e instrumentos sobrepostos. Win Butler, o vocalista, cavalga de guitarra em punho por entre a multidão, que agradece a viagem ao passado que prossegue com "Rebellion (Lies)". Em palco, reina uma pequena anarquia organizada, tal é a quantidade de gente e instrumentos que se cruza entre fechos de luz.
Guitarras e sintetizadores espaciais abrem uma épica "Joan of Arc", com a vocalista Régine Chassagne no topo de um pedestal. Gestos dramáticos, capa prateada, voz translúcida a encher os coros. Do disco de 2010 resgataram "Rococo" e "The suburbs", uma música "sobre a saudade", como esclareceu Win Butler, ao piano, com Régine a embalar a bateria. "No cars go" é sucesso garantido e reúne as milhares de gargantas num refrão inesquecível de "Neon Bible" (2007).
Apesar de tudo , há quem defenda que esta foi a passagem menos inspirada da banda por Portugal. Se existiram momentos em que conseguiram atingir o Olimpo - "Rebellion (lies)", "Rococo" ou "Neighborhood #1 (tunnels)" - , facto é que uma parte significativa do concerto incidiu na mais recente faceta da banda, sintonizada num som "disco" - "We exist" e "Afterlife".
O próprio esqueleto da banda em palco - agora com mais músicos - remete para uma postura mais ambiciosa e que, se por um lado, enche a música, por outro parece retira-lhe a candura de outrora.
Entre o passado e o presente, entre o encanto da pop de câmara com urgência redentora e um som mais disco e sofisticado, os Arcade Fire continuam a preservar o tom festivo e exuberante que faz dos seus concertos experiências únicas.
Este despediu-se com confettis e "Here comes the night time" e "Wake up", com muitas pernas a estremecer e olhares vidrados no palco.
Antes, o público saboreou a presença da neozelandesa Lorde, uma moça com 17 anos que tem andado a dar que falar. As atenções à volta dela não são à toa: há ali qualquer coisa que merece ser mostrada ao planeta. A rapariga tem boa voz e imprime uma intensidade dramática nas suas canções. Canta com o tronco curvado, os cabelos em desalinho, os ombros sísmicos. Sabe jogar com a luz e a escuridão. Lembra uma espécie de Tricky no feminino. E só é pena que seja acompanhada por um baterista e um sujeito com maquinaria. O palco fica demasiado despido.
Baladas de Ed Sheeran deixaram público do Rock in Rio em êxtase
A estreia de Ed Sheeran nos palcos portugueses não poderia ter corrido da melhor forma. O músico britânico tinha à sua espera uma pequena multidão de fãs - segundo a organização, este sábado entraram no Parque da Bela Vista 39 mil pessoas - que o receberam com toda a devoção que uma jovem estrela pode desejar.
Começou com "You need me" e "Lego House", velocidade rap no debitar das palavras a sobrepor-se a uma melodia pop acústica que foi tocando os corações das fãs. Foi preciso chegar ao quarto dia de Rock in Rio para se assistir a histeria feminina no recinto e a muitos cartazes a irromperem entre a multidão.
Sheeran, que já tem no currículo colaborações com os One Direction ou Taylor Swift e nomeações para os Grammy, deslizou depois para "Be my husband", uma versão bem conseguida da canção de Nina Simone. "Oh daddy now love me good" foi entoada em coro a pedido do músico, enquanto centenas de dedos desenhavam corações no ar e muitas adolescentes saltavam para as cavalitas dos amigos para idolatrar este jovem fenómeno.
"Thinking out loud" e "Give me love" foram elevadas por coros afinados que provaram a eficácia das baladas certeiras do músico, que de guitarra em punho espalhou simpatia e palavras românticas enquanto o sol desaparecia no Parque da Bela Vista.
"Sing", canção do segundo disco - que será lançado nos próximos dias - marcou a despedida, com uma imensa ovação e muitas câmaras a registarem o momento para a posteridade.
Homenagem a António Variações
O primeiro concerto do palco Mundo - o principal - juntou um punhado de artistas portugueses numa homenagem a António Variações. Era impossível arranjar melhor forma de arrancar: Gisela João, corpinho acondicionado num vestido dourado a cintilar o sol, desfraldou aquela voz maior do que o firmamento numa admirável versão de "Quero é viver". E, sem demoras, prestou-se a um encanto ainda maior numa inacreditável visita a "Anjinho da guarda". As palavras que soltava pela boca moviam-se por todo o lado, subiam o anfiteatro do Parque da Bela Vista, enrolavam-se nas árvores e acabavam a vibrar-nos no peito e no coração.
Bastaram duas canções para derreter o público. À terceira, chamou os Linda Martini para "Adeus que me vou embora" e os rockeiros souberam intrometer-se com subtileza naquele campo sagrado. A fadista saiu, eles por lá ficaram, e o concerto enveredou por outros rumos: "Toma o comprimido" transportou o público para uma espécie de punk sónico, uma massa sonora avassaladora e cataclísmica.
A toada abrandou em "Visões ficções" e em "Canção de Engate", aqui já com os Deolinda misturados nos Linda Martini. Sem demoras, a banda de Ana Bacalhau apoderou-se do palco, despachou uma razoável "O corpo é que paga" mas melhorou bastante com "É p'ra amanhã". A partir daí foi sempre a descer: surgiu Rui Pregal da Cunha e Pedro Gonçalves (ambos dos Heróis do Mar) e o primeiro deslumbrou-se demasiado com o momento. "Estou além", ainda escapou mas "Dar e receber", já sem Deolinda, ou "Erva daninha" ficaram muito longe do encanto do que se ouvira até então. O final deu-se com todos os artistas em palco numa interpretação de "Voz Amália de Nós" e na qual Rui Pregal da Cunha voltou a exceder-se nos seus entusiasmos - havia mesmo necessidade de falar em "selfies" ou "iphones" a meio de uma canção?
Ainda assim, foi um belo concerto e uma bela homenagem. E também serviu para confirmar que Gisela João é a melhor coisa que aconteceu à música portuguesa nos últimos anos. É uma cantora que está noutra dimensão.