Equipa minhota tem quatro campeonatos e outras tantas Taças de Portugal e Supertaças
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"Olha, chegou o perneta". "Estás cheio de moral. Falou o paraplégico que nem as pernas consegue levantar". Ou, por outras palavras, está a começar o treino da APD Braga (Associação Portuguesa de Deficientes). Junto da porta do pavilhão, Márcio Dias e Jorge Palmeira cumprimentam-se de forma irónica, mas carinhosa. À maneira deles. É com um sorriso e brincadeiras que podiam sensibilizar a maior parte das pessoas, que as boas-vindas são dadas. Já no balneário, uns tiram as próteses da mochila. Outros, entre gestos mais ou menos acrobáticos, vestem os calções. Enquanto isso, conta-se como foi o dia e vai-se buscar as cadeiras de rodas ao armazém. Afinal, é hora de "dar no duro".
O ponto de encontro é sempre o mesmo. Terças e quintas-feiras, às 21 horas. Todos conhecem os cantos ao pavilhão de Ferreiros, em Braga. As cadeiras de rodas, melhores amigas pelo menos duas vezes por semana, são desenhadas à "alfaiate". Algumas custaram mais de seis mil euros. E num desporto em que tanta gente assobia para o lado, toda a ajuda é pouca. "O Município de Braga tem um protocolo desportivo connosco e o de Famalicão, este ano, ajudou na aquisição de cadeiras para dois atletas naturais de lá. Mas merecíamos mais. Por tudo o que estes homens já passaram e pelos esforços que fazem diariamente", disse Manuel Vieira, presidente e jogador da APD Braga. Com os orçamentos baixos, surgem as dificuldades de captação. Braga, com atletas provenientes de Ponte de Lima, Barcelos, Esposende, Gondomar, entre outros (alguns fazem mais de 90 quilómetros para treinar), pode orgulhar-se de não sentir complicações nesse capítulo.
De volta ao treino. Entre passes e receções, movimentos irrequietos e cestos a distâncias incríveis, facilmente se percebe a essência de quem lá está: verdadeiros (tetra)campeões. Às conquistas dos últimos quatro campeonatos, a APD Braga junta mais quatro taças de Portugal e outras tantas supertaças. Números que tornam a equipa bracarense numa verdadeira referência entre as 13 equipas portuguesas que constituem a 1.ª e 2.ª Divisões. Ricardo Vieira, treinador com 13 anos de "casa", não esconde a emoção: "As medalhas e taças são apenas pedaços de lata. O que dá orgulho é ver a capacitação do indivíduo através deste desporto. Terminámos a época passada com várias lesões graves, em que muitos atletas tiveram de ser operados, mas nenhum abdicou do projeto. Não há palavras para a união que aqui se vive".
E numa modalidade em que as dificuldades perduram, o amor à camisola serve de lição para todos os que acreditam no desporto em estado puro.
Foguete lançado em busca da felicidade
Filipe Carneiro é o mais rápido da equipa. E também de Portugal. Especialista em velocidade, distribui a força de braços pelo campeonato de basquetebol adaptado e pelas provas de atletismo de 100 metros. Nasceu com espinha bífida, mas isso nunca o afastou do desporto. "Desde pequeno que ando de cadeira de rodas e sempre soube das minhas limitações. Nunca me senti discriminado até me tornar adulto. A partir daí, sim. Sinto isso no dia a dia", contou.
Com 11 épocas de APD Braga, e várias internacionalizações pela seleção portuguesa, Filipe sabe o que é brilhar ao mais alto nível. "Estive de 2013 a 2015 em Espanha, na 1.ª Divisão, a jogar de forma profissional. Aprendi muita coisa e guardo essa experiência para a vida". Atualmente trabalha no Município de Famalicão, onde dá aulas em centros sociais e escolas. O "Rocket", em português "foguete", como é conhecido entre os amigos, promete nunca diminuir a chama na procura da felicidade e vai lutar para representar Portugal no Europeu de 2021.
Mágico com a varinha sempre afinada
Não começou a praticar basquetebol adaptado na Cidade dos Arcebispos, mas sente o clube como ninguém. Aos 39 anos, e com 15 épocas de APD Braga, clube onde ganhou o primeiro prémio de MVP, nada abranda o ritmo de Márcio Dias. Recordista de pontos - mais de 600 numa só temporada -, tem espalhado magia pelos pavilhões portugueses e promete não ficar por aqui. "Neste ano elevei a intensidade de trabalho. Quando não treino com a equipa, faço um plano individual. Em 2021, o objetivo é vencer o Europeu com a seleção e como capitão quero trabalhar com os meus colegas nesse sentido", revelou.
Quem o conhece diz que não há ninguém a lançar tão bem fora da linha dos três pontos. Quando não está a jogar ou a treinar, o "Mágico" passa o tempo no Município de Barcelos, mas como técnico informático. E, apesar de ter de percorrer cerca de 80 quilómetros para continuar a vestir as cores da APD Braga, nada diminui a vontade de praticar o desporto que mais ama.
Firmeza de um olhar e sonho de uma vida
A vida de Jorge Palmeira mudou no dia em que, num acidente de moto, ficou paraplégico. Era um jovem de 19 anos. A partir daqui, num dilema só com duas opções, foi rápido a decidir: "Ergui a cabeça e aceitei o desafio". Atualmente está desempregado, mas conta com vários anos de experiência no ramo têxtil, como empresário. Quando soube da APD Braga decidiu experimentar. Como o amor à primeira vista dura para sempre, nunca mais abandonou o basquetebol adaptado.
Hoje, 20 anos após o acidente, os objetivos renovam-se diariamente. "Sou jogador da seleção nacional. Esse sonho está realizado. Agora gostava de jogar profissionalmente numa equipa internacional. Talvez em Espanha ou em Itália", revelou em conversa com o JN. Os colegas dizem que tem um feitio difícil, suposição que não desmente. Fã dos Los Angeles Lakers (NBA) e com olhar determinado, ambiciona ser feliz "à maneira dele". Afinal, para Jorge, "a vida são dois dias, e um já passou".