Carlos Carvalhal está fresco como uma alface. Fala, gesticula e amassa o pacote de açúcar que tem na mão enquanto desfia os últimos anos da carreira. Fez-lhe bem a pausa, até parece mais novo.
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No Sheffield Wednesday, no Championship, e Swansea, na Premier League, reforçou estatuto, mas à nossa frente continua o homem que andou pela "rua escura" das divisões inferiores e levou o Leixões à final da Taça de Portugal (2002) e venceu a Taça da Liga pelo Vitória de Setúbal (2008).
Além da bicicleta, o que tem feito por estes dias?
Olha, tenho afinado porcas e parafusos [sorriso]. Precisava de resolver alguns problemas e dar tempo à família. Tenho feito coisas que normalmente não faço como ir a concertos e provas de vinho.
E ler?
Também. Na semana passada, fiz uma apresentação a treinadores na League Manager Association e isso deu muito trabalho, porque gosto de me preparar para tudo. Esta semana, inscrevi-me na Universidade do Minho para tirar alemão.
Alemanha?!
Já sabes que não sou pessoa de estar conformada e prefiro antecipar as coisas. Gosto de aprender e se um dia tiver de treinar na Alemanha, tenho de saber alemão. Tenho tempo, prefiro fazer coisas úteis e levantar-me cedo, às 7.00 horas. A sorte dá um trabalho do caraças.
Preparou-se para a entrevista?
Um bocadinho. Conhecendo o entrevistador e o perfil de perguntas que podes colocar, sim, embora eu seja um bocado intuitivo.
Encontrou em Inglaterra o seu "habitat natural"?
Neste momento, é o meu país futebolístico. Conheço o modus operandi, sou admirado e respeitado, e só não continuei lá por motivos de força maior.
Colocou a família à frente?
Já tinha feito isso no Braga, quando pedi ao presidente para sair, mas as pessoas não acreditaram. Quando estava em Braga, via toda a gente infeliz à minha volta. Esta paragem, depois do Swansea, deveu-se novamente a motivos familiares, não só de saúde, mas para pôr tudo nos eixos.
É mais reconhecido em Inglaterra do que em Portugal?
Não sei. Adoro o meu país, sou português 100%, mas o que pensam sobre mim é para o lado que durmo melhor. Sou admirado em Inglaterra. Se assim não fosse, não recebia convites para continuar lá e nem era convidado para fazer comentários na Sky e na BBC.
Em Portugal, só um grande?
Não penso voltar a Portugal, sinceramente. O meu plano de carreira passa por continuar em Inglaterra, experimentar outro país ou cultura diferente e seleções.
A seleção portuguesa?
Nunca pensei nisso.
Ainda agora falou em seleções!
Sim, uma seleção, não sei qual. Parece que foi ontem mas já deixei o Sporting em 2009, portanto, são nove anos sem treinar em Portugal e tenho-me sentido bem.
Treinou um grande, o Sporting.
Também tens o Besiktas. Mas treinei os dois, se calhar, nas piores crises de sempre. Apanhei o Sporting no nono lugar e na Turquia assumi o cargo depois de o treinador e vice-presidente terem sido presos. No futebol, já vivi cenários de guerra e nada me assusta.
Ainda existe algo do Carvalhal que começou a carreira no terceiro escalão?
Preparei-me para ser treinador. Estudei na faculdade e especializei-me em futebol. Hoje, sou melhor do que naquela altura, mas na época já estava bem preparado. Não sou arrogante, conheces-me, mas tenho esta expressão: "Quando não me querem, coitadas das pessoas". Perdem um excelente treinador e sigo em frente.
Vão dizer que é arrogante.
Espero que não confundam. Apenas tenho uma autoconfiança muito grande.
Pode fazer um ano sabático?
Se quiser, posso acabar hoje a carreira, mas continuo a fazer pela vida.
Quais são os piores inimigos dos treinadores?
Tens uma lista?
Estou a ouvi-lo.
É preciso saber gerir as expectativas. Depois de ter levado o Leixões à final da Taça, quem me contratava achava que ia ser campeão. Lembro-me de ter substituído o Jesualdo Ferreira e terem dito que o Braga ia ser campeão.
Outro inimigo?
Os números. Sou a favor das novas tecnologias, mas não podemos subverter o fundamental que é o jogo. É preciso saber interpretar os números dos GPS e as distâncias percorridas pelos jogadores, consoantes as caraterísticas dos jogos.
Mais algum?
O perigo da moda: os personals trainers (PT). Além do trabalho nos clubes, os jogadores acham que é absolutamente fantástico e chique ter um PT. Não sabem a asneira que estão a fazer, é um trabalho marginal e que vai dar conflito na mecânica do jogador.
Afinal, vai treinar esta época?
Agora, estou disponível. Se possível, na Premier League.
Para voltar a travar o Fórmula 1 do Liverpool? As analogias tornaram-no mais mediático.
Em Portugal, também usava. Simplesmente, os ingleses não têm expressões tão ricas e por isso valorizam. Portugal ainda é uma democracia recente e há a ideia que o líder tem de falar alto e ser bronco.
E como deve ser um líder?
Um dia, vou escrever um livro e vão ver as tomadas de posição que tomei no Leixões, no Espinho, no Sporting, no Besiktas e por aí fora, e vão ver se o Carvalhal, vou mesmo utilizar a expressão, não tem sido um gajo com uns tomates do carago. Só que como o meu estilo de comunicação é mais calmo, não sou bronco, se calhar, por isso, sou mais valorizado em Inglaterra.
Paga por não ser "feio, porco e mau"?
Houve erros de interpretação, mas um dia vão perceber as atitudes tomadas, normalmente com os melhores jogadores. Tive sempre uns tomates muito grandes.
Já que usou a expressão, o Ronaldo é também um gajo com tomates?
Sem dúvida. Muitas pessoas não perseguem o que querem e acomodam-se. É a catarse dos frustrados. O Ronaldo foi agora vítima de uma situação política e da saída do Real Madrid. Foi o melhor do ano.