O novo treinador do Benfica é um dos mais bem sucedidos da história e tem uma personalidade forte, que já lhe valeu muitos conflitos recentes.
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A gota de água que fez transbordar o copo das múltiplas desavenças entre José Mourinho e a Direção do Fenerbahçe não foi a derrota que custou ao clube turco a presença na Liga dos Campeões. Sucedeu no dia anterior, quando o treinador português afirmou não conhecer Hamdi Akin, o dirigente que horas antes havia dito que o Fenerbahçe "podia ganhar facilmente ao Benfica". À provocação, "Mou" respondeu com outra, já ciente de que só um bom resultado na Luz podia remediar a situação há muito delicada e adiar a saída, que chegou a ser ponderada no final da época passada devido aos problemas que o agora sucessor de Bruno Lage na Luz foi tendo com membros da Direção liderada por Ali Koç. Após os acontecimentos registados na Luz, a corda acabou mesmo por partir, mantendo-se o padrão que tem caracterizado os últimos anos da carreira de Special One.
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O que aconteceu a Mourinho no Fenerbahçe é a repetição do que sucedeu no Manchester United, no Tottenham e na Roma, os outros três clubes que o técnico, de 62 anos, representou antes de regressar ao Benfica, 25 anos depois. Em todos, não se rebaixou aos superiores hierárquicos, rebateu políticas, contestou decisões, defendendo que nem sempre lhe foram dadas as condições ideais para atingir o sucesso, e com isso foi criando anticorpos e conflitos mais ou menos evidentes com as respetivas Direções que acabariam em saídas pouco amigáveis. De Ed Woodward, diretor-executivo do Man. United, disse o seguinte num podcast com Rio Ferdinand: "Era muito inteligente, educado, correto, mas provavelmente não estava preparado para o aspeto desportivo". A política de transferências do clube, a contratação de jogadores pouco desejados por Mourinho, em detrimento de outros preferidos pelo português, estiveram na origem de divergências que se tornaram insustentáveis ao ponto de culminarem na saída do treinador.
Quem também não caiu nas boas graças de "Mou" - e vice-versa, diga-se - foi Daniel Levy, que liderou o Tottenham nos últimos 20 anos. Sobre a contratação de Mourinho, que comandou a equipa em 2019/20 e 2020/21, o ex-presidente dos "spurs" definiu-a como "um erro", considerando que a sua ideia de jogo não se alinhava com o "estilo ofensivo" que caracterizou a equipa nos anos anteriores. Esse aspeto foi a causa de várias discussões entre ambos e, em última análise, o que levou ao seu despedimento. Relatos da Imprensa inglesa, na altura, dão conta também do descontentamento de jogadores do plantel quanto aos treinos e às estratégias dos jogos, normalmente focados na vertente defensiva. O facto de Mourinho ter sido afastado do cargo nas vésperas de uma final da Taça da Liga, que podia dar o primeiro troféu ao clube em muitos anos, é sintomático de como a convivência se tornou insustentável. "Tenho uma ligação forte com todos os clubes por onde passei, exceto com o clube do Sr. Levy", comentou o setubalense, em 2023.
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Nesse ano, já o ex-treinador do Fenerbahçe tinha estabelecido uma ligação para a vida com os adeptos da Roma, emblema que conduziu à conquista da Liga Conferência e a uma final da Liga Europa em épocas consecutivas. Bem diferente era a relação com Dan Friedkin, proprietário e presidente do clube romano, que fez de Mourinho o treinador mais bem pago da liga italiana em 2021, chegando, em janeiro de 2024, à conclusão que o retorno não estava ao nível do investimento. Também aqui a política de transferências foi o cerne da questão, sendo memorável uma fotografia que José Mourinho postou no Instagram a abraçar alguém invisível e que, na altura, foi entendida como uma indireta à Direção devido à contratação falhada de um avançado. O "Corriere dello Sport" adiantou que a reunião que sentenciou o divórcio foi tensa e com acusações de parte, acrescentando que o comportamento e as críticas recorrentes de "Mou" em relação aos árbitros também contribuíram o desfecho pouco amigável.
Agora Mourinho chega ao Benfica com a intenção de voltar a ganhar títulos, algo que lhe escapa desde que venceu a Liga Conferência pela Roma em 2021/22. A fome do treinador coincide com a seca dos encarnados, há dois anos sem ganharem a Liga.