Campeão do Mundo em 1998 pela seleção francesa e um dos melhores defesas de todos os tempos, Lilian Thuram dedica-se agora a uma fundação de combate ao racismo, tema que considera estar em expansão na Europa. O ex-jogador esteve em Portugal, onde deu duas conferências, em Coimbra e Lisboa, a propósito do combate ao racismo, a convite do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Thuram vê Portugal e França como duas das favoritas à conquista do Europeu do próximo ano - curiosamente, ambas as seleções estão no mesmo grupo - e lembra os únicos dois golos que marcou com a camisola dos "bleus", ambos no mesmo jogo, que levaram à presença na final do Mundial de 1998.
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Lidera uma fundação que tem como principal objetivo combater o racismo. Esse tema ainda é uma realidade presente?
É uma realidade muito atual, sim. E, além do mais, acho que há partidos políticos que revelam racismo na sociedade e fazem circular essas ideias. Vemos que essa ideologia funciona, porque os partidos que atualmente têm um discurso racista são bem vistos na sociedade europeia.
Sentiu o racismo ao longo da sua carreira de jogador?
Senti, sobretudo quando joguei em Itália [atuou no Parma e na Juventus], em que, tal como hoje, infelizmente, já havia fãs que faziam o som do macaco nos estádios. E vemos que, na verdade, essas manifestações racistas ainda acontecem com muita frequência, não só em Itália como noutros países, como na Europa do Leste, por exemplo. Infelizmente.
Saiu de Itália há 13 anos, mas ainda há situações dessas, como aconteceu recentemente com Mario Balotelli ou Romelu Lukaku. Como se explica uma situação destas quase em 2020?
Não nos devemos surpreender. Há que ter em atenção que, em Itália, há adeptos que defendem políticas de racismo. Pergunta-me se, quase em 2020, as pessoas são estúpidas. As pessoas não são estúpidas. As pessoas defendem de forma consciente este tipo de ideologias. E assim se manifestam. Assim há manifestações de racismo em Itália, Espanha e outros países. Acaba por ser uma marca de identidade desses países.
Mas, tendo por base os dez anos que viveu em Itália, acha que há essa identidade?
Claro, como em Portugal também. Se tivermos a coragem de ser honestos e nos perguntarmos: será que em Portugal os negros são tratados da mesma forma que os brancos? Não são. Mas porque é que isto acontece? É isso que tentamos perceber e combater, estas manifestações racistas que continuam a fazer parte da sociedade destes países.
Falemos da sua carreira de futebolista. Ganhou quase tudo o que havia para ganhar, mas o feito porque é mais recordado é o de ter sido campeão do Mundo em 1998 e, sobretudo, pelos dois golos na meia-final frente à Croácia. Foi o grande momento da sua carreira?
O ano de 1998 foi o meu melhor ano porque fui campeão do Mundo e realizei um sonho de criança. É uma sensação absolutamente indescritível. Ainda hoje, 21 anos depois, não consigo exprimir qual é a sensação de ser campeão do Mundo. Não sei se o melhor momento da minha carreira foram aqueles dois golos à Croácia, mas chega até a ser cómico o significado deles, até porque foram os únicos dois golos que marquei com a camisola da seleção francesa [risos].
No ano passado, a história repetiu-se. A França foi campeã do Mundo, também venceu a Croácia, desta vez na final. Qual é para si a melhor seleção francesa, a de 1998 ou a de 2018?
Penso que não é muito fácil comparar as duas equipas. Não faz muito sentido. Ambas as equipas eram muito fortes, e as épocas também são muito diferentes.
Alguns antigos colegas dessa equipa são atualmente treinadores. São os casos de Didier Deschamps, Zinedine Zidane, Thierry Henry ou Patrick Vieira. Foi um caminho que nunca pensou seguir?
Não, não, não, não! [abana a cabeça]. Quando acabei a carreira, em 2008, decidi que queria fazer alguma coisa que fosse útil à sociedade e me fizesse sentir importante no Mundo. O que faço hoje em dia é muito mais importante do que faria se fosse treinador.
Pode dizer-se então que a Fundação Thuram é o seu Real Madrid?
Completamente! Pode dizer-se que é o mais importante e a coisa mais correta a fazer do que continuar ligado ao futebol.
No próximo ano, teremos o Euro 2020. Portugal é campeão da Europa, a França é vice-campeã e campeã do Mundo e estão ambas no mesmo grupo. Como avalia as possibilidades das duas seleções?
A França é campeã do Mundo, o que a torna uma das favoritas. A França tem uma excelente dinâmica, tem grandes jogadores, tem um ótimo treinador que conheço bem e que é responsável por essa excelente dinâmica. É uma equipa que já está a fazer história no futebol francês. Portugal tem um grande jogador como Cristiano Ronaldo, que atrai muito a atenção e leva a que não se repare muitas vezes no grande valor da restante equipa. Portugal tem excelentes jogadores e é um dos favoritos.
E quais são, para si, os favoritos à vitória no Europeu?
Portugal, França, Itália ou Alemanha.
O seu filho Marcus tem sido um dos grandes destaques desta temporada na Bundesliga, ao serviço do Borussia Monchengladbach. Espera que o selecionador francês e seu amigo, Didier Deschamps, o chame numa próxima convocatória?
Prefiro não responder a essa provocação [gargalhada].
CV
Data de nascimento: 01/01/1972 (47 anos)
Nacionalidade: francesa
Clubes: Mónaco, Parma, Juventus e Barcelona
Principais títulos: um mundial e um europeu pela seleção francesa, duas Ligas italianas e uma Taça UEFA