Presidente do Anadia é japonês e já jogou futebol no mesmo clube de Morita, do Sporting. O Caldas, adversário do Benfica, tem um jogador que vende móveis e o guarda-redes do Varzim, adversário do Sporting, já ganhou a Taça e tem um primo em Alvalade.
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É um momento especial um pouco por todo o país, mas ganha especial relevância em três localidades. A terceira eliminatória da prova-rainha já inclui clubes da Liga e, como sempre acontece nestes momentos, o desejo de receber um dos grandes do futebol português torna-se realidade. Durante algumas horas, a magia dos grandes palcos do futebol muda-se para recintos mais humildes mas onde não falta, como comprovam as reportagens do JN nestas páginas, ambição de assinar uma surpresa que os transforme em tomba-gigantes.
A ação começa hoje no histórico Campo da Mata. O Caldas recebe o invicto Benfica de Roger Schmidt com o sonho de repetir, por exemplo, a caminhada de 2017/18 quando o clube, então no Campeonato de Portugal, atingiu as meias-finais, sendo eliminado pelo Desportivo das Aves, que acabaria por vencer a prova. Mas a história não está do lado da equipa da Liga 3. Nos 12 jogos que disputou frente às águias, o Caldas só venceu um (por 2-1, no campeonato de 1957/58) e´o último duelo foi na Taça de 1961/62 e acabou com uma goleada das antigas (11-0) a favor dos lisboetas.
Amanhã é dia de dose dupla a começar com a reedição da quarta eliminatória da época passada. Na altura, o Sporting venceu o Varzim (2-1, com dois golos de Pote), mas desta vez o duelo não é em Alvalade, embora também não seja na Póvoa, já que o estádio está em obras e as emoções seguem para Barcelos. Os leões venceram as cinco eliminatórias que disputaram contra os poveiros, num total de 48 jogos.
Bem menos ampla é a história entre Anadia e F. C. Porto. O único duelo aconteceu na Taça de 1971/72 e terminou com um 8-0 a favor dos dragões, mas desta vez a equipa da Liga 3 joga no conforto do lar e até poupou o relvado do Municipal eng. Sílvio Henriques Cerveira. O objetivo, tal como nos outros palcos, é bater o pé ao favorito e fazer história na prova-rainha.
Anadia: presidente da SAD é japonês
O investimento estrangeiro em clubes portugueses é cada vez mais comum e não se limita às ligas profissionais. A maioria (80%) do capital social da SAD do Anadia, que amanhã recebe o F. C. Porto na terceira eliminatória da Taça de Portugal, está nas mãos da Football Innovation Japan, cujo fundador, Akira Nakamura, assumiu a presidência e quer levar o emblema ao convívio dos grandes. Tem no currículo um percurso como jogador de futebol profissional ao serviço do Kawasaki, onde jogou Morita (Sporting).
A história do Anadia tem quase 100 anos e conheceu um novo capítulo em setembro do ano passado. A transição da SAD para as mãos da Akira Nakamura não se fez sem polémica (clube e sociedade continuam de costas voltadas), mas o investidor prefere não falar do passado na conversa que mantém com o JN. Com a preciosa ajuda do médio Diego, nascido no Brasil, filho de pai japonês e que dá uma mãozinha como tradutor, Nakamura olha para o futuro. Com ambição.
"O objetivo principal é levar o Anadia até ao principal campeonato e poder defrontar F. C. Porto, Benfica e Sporting com mais regularidade. Se as coisas correrem bem, é algo com que podemos sonhar daqui a cinco anos, mas acho que, no máximo, demoraremos 10", diz o nipónico, antes de explicar a escolha pelo Anadia. "É uma cidade muito bonita e o clube tem quase 100 anos. Além disso, esta zona tem dos melhores vinhos de Portugal", revela, prometendo "um prémio especial" (ainda em segredo) aos jogadores, caso eliminem os campeões nacionais e detentores da Taça.
"É um privilégio poder disputar esta eliminatória contra um clube que é conhecido internacionalmente e que tem uma grande equipa. Mesmo assim, vamos lutar, de peito feito, até ao fim para tentarmos aproveitar as nossas chances, que são poucas, mas existem. Temos de acreditar", finalizou.
Caldas: Thomas Militão vende móveis
Nasceu em França, regressou a Portugal muito jovem, tem apelido de craque e é um dos esteios defensivos do Caldas. Viveu a histórica campanha do emblema da Liga 3, quando apenas o Aves, nas meias-finais da temporada 2017/18, impediu a presença do clube, que na altura militava no Campeonato de Portugal, de chegar ao Jamor.´Thomas Militão, um dos capitães do Caldas, assume ao JN que o apelido não lhe pesa, até porque nasceu antes do central brasileiro do Real Madrid.
"A mim não me pesa nada, pode é pesar-lhe a ele. Quando ele nasceu eu já cá estava", conta, bem-disposto, o central de 30 anos, que muito jovem trocou Paris por Óbidos. "Vivi seis anos próximo de Paris. Os meus pais são portugueses, mas a minha mãe nasceu lá, tal como eu", explica o defesa, que quando regressou se fixou na freguesia de Olho Marinha, mas que optou por jogar nas Caldas.
Thomas Militão, que, tal como os restantes jogadores do emblema do Oeste, tem uma outra atividade profissional além do futebol. "Trabalho no armazém de uma loja de móveis dos meus sogros, é um negócio de família. Trato de vendas, entregas, faço tudo. É o meu ginásio, entregar móveis [risos]", conta.
A carreira como futebolista foi sempre ao serviço do Caldas, o único clube que representou, e bem viva na memória está a histórica campanha na Taça de Portugal. "Essa campanha na Taça é inesquecível. É um momento que vai ficar para o resto das nossas vidas. Viveram-se grandes momentos aqui no Campo da Mata, foi muito bonito", diz.
Hoje, às 20.45 horas, defronta o Benfica e o experiente defesa admite que é um jogo marcante. "É um jogo que, se calhar, acontece uma vez nas nossas vidas. Tenho 30 anos e nunca tinha apanhado um grande. Agora é desfrutar ao máximo, mas estamos confiantes. Sabemos que as hipóteses são reduzidas, mas vamos agarrar-nos a essas hipóteses", assume.
Varzim: Ricardo já venceu a Taça e tem primo no Sporting
Aos 40 anos, e com centenas de jogos no currículo, o guarda-redes Ricardo Nunes ainda se empolga com o ambiente dos grandes jogos, vivendo esta semana de preparação do embate com o Sporting (amanhã, 19 horas), com o mesmo entusiasmo de qualquer um dos muitos jovens jogadores do plantel do Varzim. A experiência de quem já ergueu no Jamor o mais emblemático troféu do futebol português, em 2012 pela Académica, curiosamente frente ao leões, fá-lo dizer que nesta modalidade "não há impossíveis", num aviso que já foi dado ao primo Luís Neto, defesa central do Sporting, que tal como Ricardo, também despontou no emblema poveiro.
"Até arriscaria apostar com ele um almoço como o Varzim vai vencer este jogo. Já o Luís não sei, porque certamente se lembra quando em 2006, na sua estreia na equipa principal, eliminámos o Benfica num jogo fantástico na Póvoa", recordou ao JN o guarda-redes, com um sorriso provocador.
Desta vez, os dois primos estarão em lados opostos, embora com Luís Neto fora do relvado devido a uma lesão, algo que suaviza as picardias familiares. "Ainda antes do sorteio tinha-lhe dito que ia sair um Varzim-Sporting e tenho pena que ele não possa jogar. Neste dias somos rivais, e sei que ele, conhecendo a mística do nosso clube, sente que a tarefa do Sporting não será fácil", partilhou Ricardo.
Apesar do emblema poveiro estar há algum tempo afastado da elite nacional, tendo esta época caído, inclusive, à Liga 3, o veterano guarda-redes fala de um Varzim "que este ano está mais estruturado e organizado" e só lamenta que esta partida tenha sido deslocada para Barcelos, pelo estádio do clube estar em obras. "Sei a realidade da minha idade, e aceito que não terei muitas mais oportunidade de viver estes grandes jogos na Póvoa. Mas isso só reforça ainda mais a ambição de passar esta eliminatória", desabafou o guarda-redes.