Figura de grande projecção política no nosso país, lutador indómito pela instituição da Democracia em Portugal, antigo deputado e um dos principais responsáveis pela lufada de ar fresco que varreu, na penúltima legislatura, a Assembleia Nacional, o sr. dr. Francisco Sá Carneiro acedeu à solicitação que lhe fizemos no sentido de dar ao JN uma entrevista acerca do momento político que, jubilosamente, os portugueses vivem.
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Foi no seu escritório - e furtando alguns momentos às suas ocupações - que o nosso entrevistado fez as declarações que adiante publicamos e que reputamos como importante depoimento para a hora actual, certo como é que marcam uma tomada de posição de alguém que no panorama político nacional terçou armas na defesa de um País novo, que todos sempre desejámos mas que só agora parece desenhar-se e ficar ao nosso alcance. A abertura do diálogo entre o jornalista e o dr. Sá Carneiro fez-se através de uma pergunta na qual procurámos saber a sua opinião sobre os acontecimentos que se desenrolaram a partir da madrugada de 25 de Abril - a nova data escrita a letras de ouro na História de Portugal.
Disse-nos o dr. Sá Carneiro: - Depois do êxito notável do Movimento das Forças Armadas (MFA) que derrubou o regime anterior, atravessa-se um momento de natural euforia popular, a todos os níveis nacionais. É evidente que a par disso há todo um trabalho imenso a fazer, que neste momento recai sobre a Junta e o MFA, que estão a enquadrar perfeitamente toda a gestão dos vários sectores, aproveitando, como é natural, a organização administrativa existente. Foram já nomeados os delegados do MFA junto dos vários departamentos oficiais e começa a normalizar-se toda a actividade desses departamentos e dos correspondentes sectores. No aspecto político, foi muito rápido o aparecimento de forças bem organizadas e que têm produzido imensos comunicados, tomado variadíssimas posições, apresentado programas em relação a futura organização da vida nacional. Há também, nesse aspecto, uma intensa efervescência política que levaria a crer que estamos em campanha eleitoral. Todo o tom, toda a actividade, toda a expressão dos movimentos políticos mais aguerridos é já de campanha eleitoral. Creio que essa situação, embora compreensível, não é a mais adequada às necessidades políticas, sociais e económicas do momento. Irá haver, oportunamente, uma campanha eleitoral com vista à futura designação do chefe de Estado e da Assembleia Nacional. Neste momento e de acordo, aliás, com o que consta do programa da Junta, o que me parece mais necessário é que os vários movimentos se estruturem calmamente através das suas associações, que montem as suas organizações, que vão tomando paulatinamente posições sobre os problemas imediatos sem se preocuparem tanto com reformas de fundo, que haverão de ser submetidas aos futuros órgãos de soberania. De acordo com o programa do MFA, o Governo Provisório assegurará o exercício dos direitos e as liberdades fundamentais e as correcções e reformas económicas e sociais necessárias a uma maior Justiça e ao bom funcionamento dos mesmos direitos ou liberdades fundamentais, que sem certos correctivos seriam ilusórios. Creio que a obra do Governo Provisório não deverá nem poderá ser uma obra de grandes reformas. Será, antes, uma tarefa de gestão eficaz e justa da vida nacional dentro do actual sistema. Por isso me parecem prematuras tomadas de posição em relação às grandes opções nacionais, às grandes reformas de fundo, que haverão de ser discutidas e submetidas à deliberação democrática da Assembleia Nacional, à decisão de um presidente da República democraticamente eleito. Creio que para além do restabelecimento da serenidade, da ordem e da calma que permita um trabalho eficaz de cada um, haveria que, no plano político, efectuar um certo arrefecimento que permitisse o cumprimento do programa do MFA. Uma evolução gradual de associações políticas, ou aparecimento delas, a definição das suas características - o que tudo possibilitaria o estudo de uma lei sobre partidos em que se definissem as condições em que haveriam de ser reconhecidos. Tal como as coisas se estão a processar, quase que os partidos que o MFA previa a um prazo relativamente curto, por certo, mas enfim, não de imediato, aparecem como constituídos e impõe-se, mesmo - esse é o aspecto que dá a actual situação - um reconhecimento antecipado. Creio que isso é mau - que não deverá ser assim - e que as coisas se deverão processar, como disse, do acordo com o programa do MFA.
O programa do Movimento é fruto de uma atitude reflectida, sensata e realista
Observámos, então:
"Destas suas palavras poder-se-á concluir que concorda, portanto, em princípio, com o programa do MFA?
Respondeu-nos o sr. dr. Sá Carneiro: - Já exprimi publicamente e reafirmo a minha plena adesão ao programa das Forças Armadas, tal como se encontra redigido e foi publicado. Nem outra coisa era natural, visto que na parte política esse programa coincide totalmente com àquilo que eu e outros, enquanto deputados, defendemos na Assembleia Nacional. Nos outros aspectos, também, o programa merece-me inteira adesão. Parece-me ser ele fruto de uma atitude reflectida, sensata e realista, para que se possa instaurar efectivamente entre nós um regime de democracia política e social, o que supõe evidente a democratização económica também. E, por isso, adiro totalmente ao programa.
O sr. dr. admite, realmente, que o futuro político do nosso país seja estruturado em bases assentes na Democracia, como deixa antever através dessas palavras?
Exactamente. Acho isso mesmo indispensável e foi esse o objectivo do MFA. Daí a minha adesão ao programa.
Um outro ponto, que se nos afigura fundamental a este depoimento pusemos, depois, ao nosso entrevistado:
Corre com insistência que o dr. Sá Carneiro teria sido, ou poderia vir a ser, convidado para membro do futuro Governo. O que há de verdade sobre isso?
Se poderei vir a ser ou não convidado para membro do futuro Governo Provisório, não sei. Só o saberá a pessoa que vier a formular o convite. Até este momento - e como disse - não houve qualquer convite para ingressar no futuro elenco do Governo Provisório. Não sei se ele foi ou não dirigido a outras pessoas, mas, quanto a mim, é o que posso dizer.