Céptico em relação às medidas de austeridade que têm sido tomadas e anunciadas, Eduardo Catroga, antigo ministro das Finanças, não poupa críticas ao Governo por se ter deixado "encurralar" e de ter de responder sob pressão. E diz que os portugueses devem estar preparados para mais sacrifícios.
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Concorda com as novas medidas de austeridade agora anunciadas?
Face à situação em que o Governo deixou cair a economia portuguesa, de verdadeira asfixia do seu financiamento e em que o recurso aos mercados financeiros está bloqueado, tinha de tomar medidas. O que lamento é que essas medidas venham tarde e a más horas e por pressão. Como estava encostado à parede, tomou medidas cegas, de má qualidade, quer na despesas pública, quer nos impostos. Ao contrário daquilo que o Governo disse em Maio de 2010 e agora repetiu, o mundo não mudou em 2010. O mundo mudou no segundo semestre de 2008, quando acabou a época do endividamento externo fácil e barato… todos perceberam, menos o Governo português.
Quer dar exemplos dessas medidas cegas?
Em consequência de uma irresponsabilidade política acumulada ao longo dos últimos 15 anos, criámos uma situação de endividamento público (directo e indirecto) e de endividamento externo explosiva. O Governo deixou-se encurralar e agora toma medidas cegas. Vai às várias categorias de despesa e corta aparentemente em todas, sem definição de prioridades, desde despesas com pessoal aos consumos intermédios, prestações sociais e despesas de investimento. Algumas medidas são mesmo contraditórias: por exemplo, diz que vai reduzir as transferências e subsídios para o sector público empresarial e a seguir fixa limites de endividamento. Isso significa que é uma medida faz de conta. As indemnizações compensatórias já são insuficientes, e essas entidades endividam-se porque o Governo não as deixa subir os preços nem reduzir o número de trabalhadores. Para ser coerente, o Governo teria de reduzir as indemnizações compensatórias, reduzir os limites de endividamento, fixar objectivos de melhoria de eficiência, mas depois teria de deixar subir os preços que estão reprimidos. Por exemplo, as receitas do Metro do Porto não cobrem os juros pagos.
Subir novamente o IVA foi um erro?
O aumento da carga fiscal não é o remédio para a cura dos males da economia portuguesa, antes pelo contrário. Esta subida do IVA é feita sem uma estratégia económica. Admitia novos aumentos do IVA, mas para reduzir a contribuição das empresas para a Segurança Social, reduzindo os seus custos de produção, porque a questão da competitividade é crítica para o crescimento económico.
O corte salarial era inevitável?
Face ao sobrepeso acumulado, é inevitável o processo de emagrecimento do Estado e da despesa pública. Só que este emagrecimento deveria ser feito num quadro de reestruturação a curto, médio e longo prazo, redefinindo prioridades e emagrecendo estruturas. Este processo de reestruturação, com qualidade, tem de ser feito de forma a favorecer a produtividade para potenciar o crescimento. Retomar o crescimento económico sustentado é realmente a grande questão, pois não resolvemos o problema financeiro sem resolver o problema económico. A sustentabilidade das finanças públicas é uma condição necessária mas não suficiente e exige o emagrecimento do Estado. Deixámos criar um Estado pesado que não é financeiramente suportável pelos contribuintes portugueses e nem é eficiente. Temos que caminhar para um Estado eficiente e sustentável.
Está a dizer que todas as medidas já tomadas não são ainda suficientes?
O corte cego da despesa pública não vai resolver o problema. Dizer aos portugueses que este é o último sacrifício na despesa pública é mentira. Deixámo-nos cair numa situação em que, por exemplo, só a massa salarial da função pública e o montante das prestações sociais absorvem a totalidade da receita fiscal e parafiscal. Isto é uma equação impossível. Por isso, falo de irresponsabilidade política acumulada nos últimos 15 anos.
Os portugueses estão preparados para mais austeridade?
O Governo tem de falar verdade às pessoas. Os portugueses, se bem informados, se lhes falarem com verdade e se lhes derem uma linha de rumo para o futuro, entendem.
Mas o que vai haver é contestação. Já está até marcada uma greve geral…
As pessoas têm toda a razão em estarem indignadas porque o Governo nunca lhes falou verdade. Atira sempre as culpas à crise internacional, o que é mentira. Nós já estávamos em crise antes desta crise internacional. Já tínhamos em 2008 os excessos de endividamento público (directo e indirecto) e externo. Esta crise apenas veio acelerar o despoletar do problema que iria rebentar provavelmente já em 2014. Não esquecer que existe ainda uma face oculta dos excessos de endividamento, nomeadamente com os encargos das PPP e com a dívida acumulada nas empresas públicas de transporte, e não só.
Há margem para a Oposição vetar o próximo OE?
Temos o país encurralado. O Governo faz as suas propostas e os partidos têm de ser guiados nas suas opções pelo interesse nacional e não pelo interesse partidário. Não sei o que o PSD vai fazer. Raciocino como economista e como cidadão e gostaria que houvesse um acordo na Assembleia da República para não prejudicar ainda mais a imagem externa do País. Espero que PS, PSD e CDS/PP cheguem a um entendimento. Se tivesse de fazer alguma recomendação ao PSD ou a CDS seria a abstenção. Mas, com fortes declarações de voto responsabilizando o Governo pelo caminho trilhado.