Empresas procuram reduzir o consumo de energia. Setores têxtil, agroalimentar, cerâmica e calçado são os mais afetados. Segurança Social regista mais de 52 mil beneficiários do regime. Suspensão temporária do trabalhador em queda.
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O número de reduções de horário de trabalho ao abrigo do lay-off tradicional superou, nos primeiros nove meses deste ano, os valores registados nos 12 meses de 2021. O aumento dos custos da energia é a principal razão para o fenómeno, mas a subida das taxas de juro, a quebra de encomendas e a falta de matéria-prima também não ajudam. É na indústria, e sobretudo na Região Norte, que o aumento é maior.
As reduções ao horário de trabalho até foram menos em setembro, decorrentes da caducidade de alguns lay-offs que terminaram em agosto. Contudo, já não chega para evitar que 2022 seja o ano em que as reduções de horário estão a bater recordes. Entre janeiro e setembro, a Segurança Social registou 52 875 beneficiários com reduções de horário, contra as 46 161 verificados nos 12 meses de 2021. Entenda-se que um trabalhador pode ser várias vezes beneficiário do regime, dado que pode ficar em lay-off vários meses.
O recurso ao lay-off tradicional pode ser feito por via da redução do horário ou suspensão temporária do trabalhador. Se as reduções de horário estão a aumentar, as suspensões atravessam o fenómeno inverso. Foram apenas 6771 este ano, contra as 36 882 do ano passado. Assim, ao contrário do que aconteceu na pandemia ou em 2021, nove em cada dez empresas que recorrem ao lay-off optam por reduzir o horário sem suspender o contrato do trabalhador.
Andrea Araújo, da Comissão Executiva da CGTP-IN, constata que a redução de horário "é uma situação que se tem vindo a agravar". O mais grave é que, "no final, são os trabalhadores os mais prejudicados", pois ficam com o vencimento reduzido em dois terços, lamenta Andrea Araújo, destacando que "é a Norte que mais relatos deste tipo de dificuldades têm chegado, nomeadamente nas empresas cerâmicas, têxteis, de calçado e de agroalimentar".
"É um ciclo vicioso, pois muitas destas empresas vivem do mercado interno que é afetado pela perda de poder de compra dos trabalhadores"
"É como um antibiótico"
Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, confirma que as empresas "reduziram a sua atividade em número de dias" para poupar, sobretudo as unidades de acabamentos, que são "grandes consumidores de energia". Isto, aliado à subida dos preços e à diminuição das encomendas, reconhece que é "um sinal preocupante".
Contudo, ressalva que o lay-off "é uma ferramenta importante para proteger postos de trabalho" em situação de crise: "É como um antibiótico. Ninguém gosta de tomar, mas evita um mal maior, que, neste caso, é o despedimento", frisa Mário Jorge Machado.
"O lay-off adquiriu um estigma, que parece que a empresa quer prejudicar o trabalhador. Mas está é a proteger os postos de trabalho"
O cancelamento ou a redução de encomendas e a "muito acentuada irregularidade no abastecimento de matérias-primas" estão a ser as principais condicionantes aos negócios, acrescenta, em resposta ao JN, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP). Já a opção por reduzir o horário de trabalho, em vez de suspender temporariamente o trabalhador, tem a ver com o facto da segunda opção ser vista "como um fator de perda de ritmo", concretiza a CIP.
Ana Vieira, secretária-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, fala de uma situação "transversal" a nível geográfico, embora ligada a setores "que ainda não recuperaram da pandemia de covid-19 ou já estão a sofrer os impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia".
Perguntas
O que é o lay-off do Código do Trabalho?
É a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato laboral sempre que os postos de trabalho e a viabilidade económica da empresa estejam ameaçados por motivos de mercado, motivos estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afetado, gravemente, a atividade normal da empresa.
Qual é a duração?
A duração tem de ficar previamente definida e não pode ser superior a seis meses, exceto em caso de catástrofe. Nessa situação, o prazo máximo é de um ano. Pode ser prorrogado por um máximo de seis meses, desde que a decisão seja fundamentada.
O trabalhador perde rendimentos?
Por regra, sim, mas nem sempre. Durante o lay-off, o trabalhador recebe dois terços do salário ilíquido. No entanto, há um limite mínimo (salário mínimo nacional, de 705 euros) e um limite máximo (três salários mínimos, de 2115 euros) para o valor a receber.
Quem paga o salário?
A Segurança Social paga 70% do valor a receber, sendo que a empresa paga o restante. Por exemplo, num salário de 1000 euros, o valor a receber é 666,66 euros (dois terços do salário ilíquido). Destes, a Segurança Social paga 70% (466,66 euros) e a empresa paga os restantes 30% (200 euros).
Qual a diferença entre o lay-off tradicional e o lay-off simplificado que vigorou na pandemia?
O lay-off tradicional é mais restritivo e moroso do que o simplificado. No caso do tradicional, a empresa tem de promover uma fase de negociação com o trabalhador e, no fim, enviar a ata à Segurança Social. A empresa também tem de justificar porque é que escolheu aqueles trabalhadores e não outros, o prazo previsto de duração e a situação de crise. Neste caso, ao contrário da versão simplificada, a empresa tem de fazer os descontos para a Segurança Social e os gerentes não podem ser abrangidos. No tradicional, não é possível renovar contratos a prazo.
E as semelhanças?
Em ambos os casos, a empresa não pode ter dívidas à Segurança Social e às Finanças nem pode distribuir lucros. O salário recebido também é o mesmo.