Quando logo à tarde chegar e começar a descer o vale de Coura (já sabemos, estávamos ali todos no fim de tarde do lendário fogo arcado: o coração desata a borbulhar, passam cavalos-marinhos a correr no hipocampo, vão ateados em chamas), não vou parar de vos procurar, mesmo sabendo que vocês não vão.
Corpo do artigo
Sei bem da minha missão - vocês disseram: tu não és só um, tu vais e és todos nós, tu és o Dartacão -, estudei bem a lição, já conheço todos os artistas do cartaz. Prometo portar-me com dignidade, elevação, beber com moderação, não me esquecer de comer, prometo estar atento, ter brio, gravidade, valor, prometo ter sempre vontade - a vontade do soldado indiano de aço Yogendra Singh Yadav em 1999 contra o Paquistão, a vontade vigorosa do americano Audie Murphy em 1944 contra os alemães, Audie, o que nunca abandonou o seu tanque M-10, mesmo quando o ininteligível tanque começou sem ele saber a arder, Audie continuou sempre, sempre sem parar, incrustado no carro de ferro, só parou em 1945. E prometo perder a cabeça, inebriar-me, ver as estrelas ao revés, prometo dar tudo, comer a relva, e ir sempre lá para baixo, lá para a frente onde se morde a boca ao palco, e perder-me a dançar com os que dançam como roupa sem corpo ao vento, a revoar como selvagens, como borboletas que acabaram de enlouquecer e só adormecem de manhã. Só não prometo não admoestar os espanhóis se os espanhóis não pararem, como nunca param, pois se são espanhóis são bravos, de papaguear por tudo e por nada por cima de todas canções.
Já perdemos dois dias, meus amigos, Coura já começou, eu ainda aqui estou, ainda aqui estamos, ainda não chegamos, já passou a Lola, já passou a Yanya, o McCombs, a Badsista, que vulcão, que canhão é a Badsista, já passou o perfume genial, o Terno Rei, já passou o fim de semana dos vampiros e nós ainda aqui estamos, e vocês estão tão longe, a H está a 1142 km daqui (ida e volta), o G está a 666, o que é o mesmo que estar a 2666, a C agora mora ali ao meu lado, mas a C queria estar a 4072 km (só ida), a C devia estar sempre na Palestina, a C viu o Odeh Hathaleen vivo na Cisjordânia, nós também o vimos, mas foi no cinema, no "No other land", no filme que é a verdade, e se é a verdade é a vida, mas agora Odeh Hathaleen morreu, foi morto pela raiva, morto por um cego, foi morto por um cão.
Estamos quase a chegar, já vejo a relva fofa, meus amigos, o céu pode esperar, ainda aí vem o King Krule, que maravilha vai ser ouvir aquela voz violenta, uma voz que é como um punho, ainda aí vem o Mk Gee, as Lambrini Girls, os Warmduscher, que belo duche vai ser Warmduscher, e o Gurriers, espero não me enganar, espero aguentar até à Ela Minus, até a Ela tocar aquela, aquela do nome bonito e tão comprido, "They told us it was hard but they were wrong", aquela que diz que nada é impossível, aquela que fala de nós.
Estamos quase lá, meus amigos, venham, aspiremos este perfume enervante, vivamos a vida dos eleitos, eu vou-vos procurar, não vou parar até vos encontrar. Aqui vos espero, neste vale, entre as casquinhas das árvores a que chamamos ciprestes, espero-vos com unhas e dentes.