A curta distância do Porto, Penafiel ganhou recentemente novos pretextos para uma visita. Há um centro cultural que quer pôr toda a gente a descobrir a sua criatividade, mesas novas e renovadas, e locais que preservam a tradição. Em breve, a festa maior da cidade sai à rua, e já sentimos o gosto das castanhas. Antes há festival literário, e pelo caminho enchemos a barriga, a vista e a alma, em lugares bonitos.
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Como um quadro em exposição, a janela panorâmica no átrio do Ponto C convida a contemplar o vale do rio Cavalum, uma imagem de formas onduladas em vários tons de verde. A mesma cor que cobre o novo edifício do centro cultural, e o confortável sofá onde nos instalamos a observar a paisagem campestre, afagados pelo sol que entra pela vidraça. Mais do que dotar a cidade com uma sala de espetáculos há muito desejada, o equipamento, que acaba de celebrar o seu primeiro aniversário, veio criar uma ligação entre o centro urbano e o lado rural do concelho, unindo as duas faces de Penafiel.
"Na verdade a cidade não existia para este lado. Eram quintas de exploração agrícola, como muitas das que vemos aqui à volta", esclarece Mónica Guerreiro, diretora deste novo pólo cultural, que nasceu precisamente numa dessas propriedades agrícolas, a antiga Quinta da Caturra. O passado do lugar foi preservado com a reabilitação da casa da quinta, que passou a acolher as atividades do serviço educativo e outras apresentações, estando harmoniosamente integrada na nova construção, de traço mais contemporâneo. Aí cabe um grande anfiteatro, diversas áreas expositivas e uma cafetaria ampla e luminosa, aberta a todos, todo o dia. A esplanada e as varandas voltadas para a paisagem do vale são outros recantos para usufruto da comunidade. "Este enquadramento, um enclave entre a cidade e o campo, é um verdadeiro privilégio", reconhece Mónica, enquanto nos guia pelo edifício
As zonas exteriores também servem de palco a vários espetáculos, parte de uma programação regular de teatro, dança, circo, música, oficinas e conversas, que todos os fins de semana tem vindo a atrair a comunidade àquele novo ponto de encontro.
A construção do Ponto C impulsionou também uma intervenção nos espaços públicos em redor, incluindo um dos epicentros da cidade, a Praça de São Martinho. "É o sítio onde anualmente se fazem as provas dos vinhos, no 11 de novembro", informa a diretora do centro cultural. A festa maior da cidade, em honra do seu padroeiro, está aí a chegar - celebra-se de 8 a 20 de novembro - e como é habitual, traz provas de vinho novo, castanhas assadas, mostras de gado e artesanato e música popular. A um mês das festividades, a confeitaria Alvorada, no centro histórico, já reforça as fornadas de tortas de São Martinho. À clássica - um pastel folhado com recheio de carne estufada e polvilhado com açúcar em pó e canela - juntam-se nesta época outras versões, com recheio de chocolate, castanha, doce de ovos e mais variedades. Todos os anos, por altura do São Martinho é lançado um novo recheio. Outra vantagem de visitar a cidade durante as celebrações é a garantia de ter pasteis a sair do forno durante todo o dia, e poder saboreá-los ainda quentes, que como se sabe dá prazer acrescido a qualquer delícia pasteleira.
Antes de lá chegarmos, outubro traz outro pretexto para fazer uma visita a Penafiel: o festival literário Escritaria. A edição deste ano homenageia a poeta e romancista Maria do Rosário Pedreira, e o programa - ainda por divulgar - partirá do Ponto C com intervenções um pouco por toda a cidade
Sempre se respirou cultura neste território do Vale do Sousa, mas a conquista de um espaço dedicado à expressão artística veio trazer um novo fôlego à agenda local. O equipamento não só recebe artistas de renome nacional e internacional, como também dá palco aos projetos da cidade e da região. Fixado na freguesia de Galegos, Alexandre Morais assina a exposição de pintura que irá ocupar a Sala Eurico - batizada em homenagem ao pintor surrealista Eurico Gonçalves, natural de Penafiel - nos próximos três meses, período em que o auditório do Ponto C irá também acolher apresentações dos grupos de teatro amador da cidade.
Além disso, outro dos pilares do projeto é aproximar a comunidade dos artistas, promovendo conversas, conferências e oficinas. "Também queremos que as pessoas sejam convidadas a experimentar", realça Mónica. Depois da dramaturgia, a nova temporada traz uma formação contínua de tecelagem, que quer reavivar uma das artes e ofícios tradicionais da região. Ao sábado de manhã também há oficinas pontuais, de cerâmica, desenho, poesia e outras temáticas, com opções para todos os que queiram explorar a sua criatividade, independentemente da idade. "Penafiel é uma cidade que se está a encontrar, que é criativa e não sabia", comenta a curadora do Ponto C.
Um refúgio campestre à porta da cidade
A arte também encontrou lugar nas paredes da Quinta de Santiago - deve o nome à proximidade com um antigo caminho de peregrinação -, outro desses refúgios campestres a dois passos do centro da cidade. A propriedade, em tempos dedicada à produção de vinho, abriu no ano passado como alojamento rural, pela vontade de Ricardo Gonçalves em não deixar perder aquele património, na sua família há 150 anos. "Lembro-me de andar aqui em miúdo com o meu avô a dar cigarros aos vindimadores e rebuçados às senhoras, e são aquelas memórias que ficam", memórias que criam vínculos duradouros com os lugares, partilha o anfitrião. "Apesar de não vivermos aqui sempre foi o local de encontro da família, nas festas, aniversários, vindimas. E ainda continua a ser, é aqui que nos encontramos todos", recorda o advogado e colecionador de arte. Pelas paredes da antiga casa dos caseiros, entretanto recuperada e ampliada, mostram-se originais de Júlio Pomar, João Cutileiro, Siza Vieira e outros artistas. "A decoração foi feita em função dos quadros", nota Ricardo. "É a minha perdição, quando um processo me corria bem comprava um quadro", confessa.
Os interiores, elegantes e sóbrios, conjugam as obras da sua coleção com peças de época que já se encontravam na propriedade, como as peniqueiras que agora servem de mesinhas de cabeceira numa das três suítes da casa.
A reabilitação do edifício transformou a construção original numa ampla sala de estar, aberta para a antiga eira. A lareira garante conforto nas estações frias, a piscina exterior oferece refresco no verão, e a longa mesa de jantar, onde sentam até 20 pessoas, serve o propósito da casa: ser um lugar de convívio. A cozinha está equipada com tudo o que é preciso para fazer uma boa almoçarada. No piso inferior há um salão de jogos com mais um sofá-cama, e um grande relvado rodeia toda a casa, que goza ainda de um campo de ténis, havendo entretenimento de sobra para uma escapadinha de fim de semana.
Acresce às mais-valias a proximidade com a estação de comboios de Penafiel - a menos de um quilómetro -, o que permite uma curta e despreocupada viagem desde o Porto.
Pausa para o brunch
Ainda não tem arte nas paredes, mas é também intenção de José Martins fazer do Olivia Coffee & Brunch uma pequena galeria à disposição dos artistas locais. Abriu há pouco mais de um mês, no largo da Nossa Senhora da Ajuda, com um ambiente acolhedor e oferta para todas as horas, e para já a criação local a que dá palco é a que sai da cozinha da chef Tânia Soares, especializada em pastelaria francesa, mas igualmente exímia na arte da focaccia italiana.
Para o êxito das obras não basta o talento do artista, também conta a qualidade dos ingredientes, daí que a farinha, o fiambre e o salame venham diretamente de Itália. Já a fruta, apenas atravessa a rua, da banca de frescos da frutaria em frente.
Os croissants recheados, as quiches e a french toast já ganharam especial destaque junto de outros clássicos do brunch como os ovos benedict e as panquecas, ou opções de maior consistência, como o hambúrguer smash Olivia, servido com molhos e pickles caseiros. "É tudo feito aqui", reforça o proprietário, recém-regressado ao mundo da restauração, depois de quase 20 anos no ramo automóvel e de criar uma empresa de transporte turístico no Douro. Sem ter qualquer ligação à cidade, que conhece de passagem, viu-lhe o potencial para ali abrir um negócio deste género. "Adoro Penafiel, acho que é uma cidade que está com um crescimento brutal, culturalmente também", reconhece.
Em função das preferências que os clientes têm vindo a mostrar, a carta vai sofrer alterações, e em breve vão entrar as sandes pastrami, e mais opções de pastelaria, como as tarteletes de fruta fresca.
Regressar às raízes
Promover a cultura não é só dar palco à criação, é também preservar as tradições e os costumes, as paisagens e o património edificado. Foi com isso em mente que Belmiro Barbosa fez sua missão recuperar a aldeia de Quintandona, na freguesia de Lagares, com as suas pitorescas casas em xisto e ambiente rural. "O objetivo era recuperar o património, criar dinâmica na aldeia, fixar a população e abrir as portas ao turismo", recorda o presidente da CasaXiné - Associação para a Promoção e Desenvolvimento Cultural de Quintandona.
De um cenário de crescente abandono, a aldeia renasceu e neste processo surgiram até novos negócios, como o hotel Valxisto e o afamado wine bar Casa da Viúva, bom poiso para petiscar e beber um copo de vinho. Para o sucesso do projeto foi essencial envolver a comunidade, realça Belmiro. Daí que no centro interpretativo, à entrada da povoação, se vendam artigos produzidos ali, pelos habitantes, desde licores e compotas até legumes e frutas, infusões e artesanato. E há sempre um bolo caseiro, vendido à fatia, para aconchegar o estômago numa caminhada pela aldeia. Por marcação, fazem-se visitas guiadas pelas ruas de calçada, para admirar a sua arquitetura particular, marcada por construções que conjugam o xisto e o granito.
Visitada durante todo o ano, a aldeia ganha especial afluência no final de setembro, quando organiza a animada Festa do Caldo. Quem perdeu a última edição não precisa de esperar um ano para provar o prato típico, pois todos os fins de semana há caldo confecionado em potes de ferro, com antigamente, no Bar do Agueiro, junto à recém-recuperada Casa do Amásio, onde está a nascer um centro rural pedagógico.
No extremo sul do concelho, já nas barbas do rio Douro, é também o xisto que marca a paisagem, e as tradições têm lugar privilegiado à mesa. De caminho, vale a pena fazer um pequeno desvio para conhecer o Castro de Monte Mozinho, um grande povoado castrejo de época romana, instalado no alto da serra nas freguesias de Oldrões e Galegos, e considerado um dos maiores exemplares da Península Ibérica.
Chegados a Sebolido, numa varanda debruçada sobre o rio encontramos distribuídas em socalcos, que lhe conferem privacidade, várias suítes revestidas a xisto e com grandes paredes envidraçadas voltadas para o Douro. A decoração privilegia a paisagem que entra pela janela, emoldurando-a com tons neutros e peças em madeira da ConceitoCasa, a empresa de mobiliário de Vasco Carvalho. Inicialmente, aquele refúgio ribeirinho seria uma casa de férias para a família do empresário, mas acabou por se transformar num projeto turístico em expansão, o Dourwin.
Entre espelhos de água, piscina, terraço e várias áreas ajardinadas, cabe ainda no complexo um restaurante. O interior do Sirga, revestido a madeira, é especialmente acolhedor no inverno, mas enquanto o tempo deixar é na esplanada, a olhar as águas tranquilas do Douro, que recai a preferência para saborear o almoço.
A cozinha liderada pelo chef Rui Pinto, natural de Penafiel, quer-se fiel às origens e enraizada nos sabores tradicionais. "O principal propósito desta carta é cada vez mais estarmos ligados àquilo que é nosso, que é a cozinha tradicional", partilha o cozinheiro. Uma refeição ideal pode abrir com um escabeche de carapau, fresco e leve, e avançar para um apurado arroz de forno de cogumelos, coroado com plumas de porco preto, ou uma açorda de bacalhau. E deve terminar com a rabanada, servida ainda quente sobre uma cama de creme inglês de notas cítricas. Conforto em cada colherada. Uma vez por mês, o Sirga acolhe o evento Às Origens, um jantar que traz para a mesa um prato das memórias de infância do chef. No próximo dia 17 de outubro, o protagonista será o frango de cabidela.
Ainda na rabanada, com o sol de outono a brilhar na corrente ondulante do rio e a aquecer-nos o rosto e a alma, tentamos encontrar vontade de seguir caminho. No alto da encosta, espreita a varanda do miradouro da Serra da Boneca, sobranceiro ao vale do Douro e à zona ribeirinha de Sebolido, e ponderamos a subida, para levar na memória uma última imagem de postal.
Ponto C
Rua de Puços 606, Penafiel
Web: pontocpenafiel.pt
Alvorada
Praça Municipal, 57, Penafiel
Tel.: 255 213 648
Das 7h às 20h30. Não encerra.
Quinta de Santiago
Rua António da Rocha Melo, Santiago de Subarrifana, Penafiel
Tel.: 919 360 673
Web: countryhousesantiago.pt
Casa a partir de 275 euros (duas pessoas)
Olivia Coffee & Brunch
Largo Nossa Senhora da Ajuda, 41, Penafiel
Tel.: 912 608 060
Das 8h às 19h. Domingo das 9h às 16h. Encerra à segunda-feira.
Preço médio: 15 euros
Centro Interpretativo da Aldeia de Quintandona
Quintandona, Lagares, Penafiel
Tel.: 917 430 111
De quarta a domingo das 10h às 12h e das 14h às 17h.
Visitas guiadas por marcação: 2 euros por pessoa
Dourwin
Rua do Pedregal, 32, Sebolido, Penafiel
Tel.: 938 236 432
Web: dourwin.pt
Suítes a partir de 150 euros (com pequeno-almoço)
Sirga
Rua do Pedregal, 32, Sebolido, Penafiel
Tel.: 912 859 922
Web: sirga.pt
Das 12h50 às 15h30 e das 19h às 23h. Encerra ao domingo.
Preço médio: 35 euros