Agressões e assaltos durante as entregas aumentaram com a pandemia. Profissionais denunciam falta de apoio de empresas como a Uber e a Glovo. Ambas negam.
Corpo do artigo
As emboscadas, roubos com facas e pistolas e agressões a estafetas ao serviço de empresas de entregas aos domicílio estão a crescer quase ao mesmo ritmo que, em período de pandemia, aumenta o número de encomendas através de plataformas virtuais. Quem o garante são as próprias vítimas, que denunciam uma desproteção quase total relativamente às entidades às quais prestam o serviço. Os "gigantes" do setor - Uber Eats e Glovo - não desmentem a onda de crimes, mas refutam as acusações de falta de apoio. Já a PSP deixa vários conselhos para contornar situações de perigo.
Foi precisamente à PSP que, no final do mês passado, Caio Lima se queixou. Estafeta da Glovo, o brasileiro de 30 anos foi entregar uma refeição a Contumil, no Porto, onde seria recebido por um cliente sem dinheiro para pagar a conta. "Disse-me que não tinha chave de casa, mas que a esposa demorava cinco minutos a chegar. Entrei no chat para informar a empresa e, passados mais de 30 minutos de espera, o pedido foi cancelado", conta. Quando Caio Lima se preparava para abandonar o local, surgiu a mulher com o dinheiro (que a Glovo aceita), contudo, depois de cancelado o pedido, o estafeta já não pôde entregar a refeição. "O cliente não me deixou arrancar e, com a esposa, tentou agredir-me", descreve.
Roubo "fácil"
Esta não foi, porém, a situação mais perigosa vivida pelo estafeta com dois anos e meio de experiência. "Há cerca de cinco meses, tive de fugir de um grupo que encomendou 50 euros em comida e que me tentou assaltar em Vila d"Este, Vila Nova de Gaia", recorda. "Temos assistido a um maior número de roubos nos últimos tempos", concorda Rúben Santos, que apresenta um motivo simples para o aumento da criminalidade contra estafetas: "As pessoas começaram a perceber que era fácil roubar-nos".
E foi, de facto, sem grande engenho que Silva Soares, estafeta desde que há quatro anos chegou a Portugal, caiu numa emboscada. "Encomendaram dez maços de tabaco e pediram, na própria aplicação, troco para pagamento com uma nota de 100 euros. Quando cheguei a uma esquina deserta do bairro do Cerco [Porto], apareceu um carro com dois homens que me exigiram o tabaco, o dinheiro do troco e o meu telemóvel", descreve.
Desproteção total
Silva Soares conseguiu fugir, refugiar-se na esquadra da PSP mais próxima e avisar a Glovo. Todavia, não recebeu qualquer ajuda. "Só se preocuparam em saber se a encomenda tinha sido entregue", diz. Marcel Borges, estafeta da Uber Eats desde 2018, também lamenta o "apoio deficitário" dado pela sua empresa em situações de perigo. "Ligamos para o suporte através da aplicação, mas quando temos uma resposta já a Polícia tomou conta da ocorrência e foi embora", assegura.
O aumento da criminalidade levou as plataformas a suspender as entregas em ruas de bairros problemáticos, como os portuenses Pasteleira Nova e Cerco. Na Cova da Moura, Amadora, as entregas são feitas à porta da esquadra da PSP para evitar mais assaltos. Mesmo assim, há sempre pressão no sentido de satisfazer os pedidos feitos a partir destes locais.
"Numa ocasião, telefonei para o suporte a avisar que o local da entrega era numa zona bloqueada da Pasteleira, mas disseram-me que tinha de ir. Ou arriscava ser assaltado ou perdia horas de trabalho, porque era penalizado no horário", afirma Tiago Silva. "Estamos totalmente desprotegidos e não temos condições de trabalho", resume Ítalo Alves, enquanto Marcel Borges lamenta que o "prejuízo seja sempre assumido pelo estafeta". "Quem recusar entregar a encomenda corre o risco de ser banido da aplicação", explica.
Reembolso
Os estafetas asseguram que estão a aumentar os casos em que os clientes denunciam às plataformas a não entrega da encomenda, mesmo que a tenham recebido a tempo e horas o pedido. O esquema fraudulento permite ficar com a encomenda e ser reembolsado pelo valor pago. Mas também provoca episódios de violência e o cancelamento da conta do estafeta envolvido. "A empresa acredita sempre no cliente", diz Ítalo Alves.
Vacinas covid-19
Os estafetas defendem que deviam constar entre os grupos prioritários da vacinação contra a covid-19. Justificam esta posição com o facto de nunca terem parado de trabalhar, estarem em permanente contacto com centenas de pessoas e puderem ser um foco de contágio.