Luís Silveira Botelho, inspetor-geral das Atividades Culturais, faz balanço da ação do organismo na luta contra a distribuição ilegal online de conteúdos protegidos,
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Mais de meio ano depois de a Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) ter passado a ter competência legal para fiscalizar o acesso a conteúdos protegidos em ambiente digital, o líder do organismo, Luís Silveira Botelho, encara "com otimismo" o efeito que a lei pode ter no combate à pirataria. O inspetor-geral prefere, ainda assim, destacar a "articulação" com os operadores do setor que, desde 2015, já permitiu bloquear milhares de sites, sem passar pelos tribunais. Até porque, lembra, neste "jogo do gato e do rato" sem fronteiras, nada se consegue a atuar isolado, como um "sniper".
O Telegram encerrou em junho, por ordem da IGAC, 11 canais de partilha ilegal de jornais e revistas. Trata-se de uma rede social russa com sede no Dubai. Surpreendeu-o o acatamento?
Sem querer nomear, para nós foi bastante importante. O caso que referiu, ou todos os outros casos, para nós é quase como cavar a areia do mar com uma colher. É bastante importante nós nunca desarmarmos e nunca nos deslumbrarmos, porque isto é um trabalho permanente e temos de garantir uma grande eficácia na nossa ação. Aliás, a lei mais recente, de 2021, acaba por também ter este benefício de transmitir mais estabilidade e segurança jurídicas na atuação em termos de procedimento. Encaro com muito otimismo o sucesso que a aplicação desta lei pode ter. Até como forma de evitar que, do ponto de vista judicial, haja uma maior sobrecarga.
Por norma, as ordens emitidas pela IGAC são acatadas?
Sim. Como temos uma articulação, anterior à lei, muito estreita com os operadores de telecomunicações - ou, neste caso, com os representantes dos operadores de telecomunicações -, já temos um procedimento muito oleado.
De que operadores de telecomunicações estamos a falar?
Dos grandes operadores de telecomunicações, que ocupam 98% do mercado. A circunstância de não termos um número massivo de operadores também facilita este entendimento. Nunca tivemos um incumprimento de uma determinação da IGAC por parte dos operadores de telecomunicações.
Qual é a importância das denúncias para a ação da IGAC?
É fundamental. A IGAC recebe a denúncia, faz uma avaliação relativamente àquilo que são os sites, os links, sinalizados como estando a disponibilizar ilicitamente obras protegidas. Se for julgada procedente a queixa, a IGAC determina a quem disponibiliza as obras fazer o bloqueio de acesso. Se não o fizerem, a IGAC aciona a lei no sentido dos operadores de telecomunicações bloquearem, por via "pt" o acesso a esses sites. Tem corrido bastante bem. E teve um efeito dissuasor. Sabemos que é a partir de qualquer lado do mundo que se disponibilizam obras e, por isso, o que fazemos é bloquear o acesso em Portugal.
Quantas denúncias já houve?
Antes de a lei ser publicada, [houve] aproximadamente quatro mil sites, que correspondem a centenas de milhar de links, cujo bloqueio foi determinado ao abrigo do memorando de 2015. Estamos a falar de filmes, jogos, música, jornais e revistas, publicações periódicas. Depois da lei, já recebemos cerca de 55 queixas, sendo que cada denúncia incorpora muitos sites e muitos muitos links.
Os dados mostram ainda que, no âmbito do protocolo de 2018, foram bloqueados quase mais 10 mil links que transmitiam eventos. Que eventos são?
Essencialmente eventos desportivos, concertos. Estão a ser transmitidos em direto e, muitas vezes, através de plataformas que se apropriam do sinal do operador, neste caso económico, e, de forma completamente ilícita, fazem a disponibilização de canais. Normalmente, tem sempre nos bastidores um propósito comercial, seja através de anúncios, seja através de algum pagamento. Não há beneméritos que oferecem de forma altruística bens culturais. E, mesmo que o fizessem, não o podiam fazer ao arrepio da autorização dos titulares dos direitos.
Há colaboração com as autoridades judiciárias nessa fase?
No culminar de tudo isto, há sempre uma participação ao Ministério Público. Isto, no fundo, é uma forma eficaz de garantir o bloqueio do acesso imediato a conteúdos que estão a ser ilicitamente disponibilizados. Mas há sempre depois uma participação ao Ministério Público. Há sempre um crime de usurpação de direitos.
Têm ações de sensibilização nas escolas para os direitos de autor. Qual costuma ser a reação?
Somos confrontados sobre por que estão a bloquear os sites. Tentamos explicar aos miúdos, por exemplo, as centenas de profissões que estão por detrás de um filme. Normalmente, todos têm alguém na família ligado à economia cultural, sem o saberem. Seja um técnico que monta um palco ou um técnico de som, luz. E, ao explicar-lhes, sentem de uma forma mais íntima o problema.
Os sites são bloqueados em Portugal. Mas sabemos que há formas de contornar isso...
Sim, sim. Isto é um jogo do gato e do rato. Não deixa de ter um efeito dissuasor. Houve um estudo, há quatro ou cinco anos, que revelou que 73% das pessoas que acediam a determinados tipos de sites alvo de bloqueio deixaram simplesmente de tentar aceder e não tentaram aceder por outras vias.
A IGAC tem meios suficientes para o trabalho que faz?
Os meios são sempre finitos. A escassez faz parte. Agora, temos de ser criativos. Quanto mais articulados estivermos, maior é a eficácia da nossa ação. Sozinhos, como "snipers", não fazemos nada.
Fiscalização
Bloqueados centenas de milhar de acessos ilegais a obras
A Inspeção-Geral das Atividades Culturais bloqueou desde 2015, com os operadores de telecomunicações nacionais e associações, centenas de milhar de links de acesso ilegal a obras protegidas, incluindo filmes, música, livros, jornais e revistas. A transmissão online de eventos culturais e desportivos tem estado, desde 2018, igualmente na mira do organismo.
De acordo com Luís Silveira Botelho, nos últimos sete anos foram bloqueados, voluntária ou coerciva, "3887 sites, a que correspondem centenas de milhar de links de acesso a obras protegidas". Paralelamente, foi impedido o acesso a 9891 links de eventos em direto. Sempre à margem dos tribunais.
56 queixas em meio ano
A ação administrativa, ao abrigo da Lei do Comércio Eletrónico e baseada em memorandos assinados em 2015 e 2018, antecedeu a atribuição, desde janeiro, de competência legal à IGAC para fiscalizar o acesso a conteúdos protegidos na Internet.
Em pouco mais de meio ano, o organismo recebeu 56 queixas. Uma delas, apresentada pela Visapress - Gestão de Conteúdos de Media, culminou, em junho, no encerramento pelo Telegram - uma rede social russa com sede no Dubai - de 11 canais de partilha ilegal de jornais e revistas.
O objetivo, explica Silveira Botelho, é, apesar da "evolução tecnológica vertiginosa", conseguir "um equilíbrio entre aquilo que é a fruição cultural e a proteção dos direitos de criação intelectual". Até porque, defende, a "delapidação" destes últimos "acaba por trazer um prejuízo para a sociedade", onde "há milhares de empregos que existem por força da economia cultural".