Europol alerta que redes apostam na corrupção de funcionários para meter na Europa toneladas de droga. Leixões, Setúbal e Sines na mira dos cartéis.
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Os maiores portos europeus estão infiltrados por cartéis de tráfico de droga e Portugal não é exceção. Estivadores corruptos com acesso a contentores ou funcionários desonestos com informação privilegiada permitem a introdução de milhares de toneladas de cocaína na Europa. Cidades portuárias como Antuérpia, na Bélgica, Roterdão, nos Países Baixos, e Hamburgo, na Alemanha, estão reféns da violência provocada pela guerra entre traficantes. A Europol considera mesmo que "a infiltração do crime organizado nos portos é a maior ameaça à economia legítima e à segurança da União Europeia". E avisa que as redes estão a deslocar as suas operações para "portos secundários". Leixões, Sines e Setúbal estão na mira destes grupos e são há muito usados como porta de entrada de droga. Ao JN, fontes policiais admitem "situações pontuais de fenómenos corruptivos", mas asseguram que uma intensa colaboração entre diferentes entidades, investimentos avultados na vigilância e uma atenção permanente a estes locais têm impedido que as "máfias controlem os portos portugueses". Negam ainda que Portugal seja palco das guerras entre cartéis para o domínio dos portos.
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Mas o certo é que, ainda na semana passada, uma máquina vinda da Colômbia passou pelo Porto de Leixões escondendo 1600 quilos de cocaína destinada ao maior laboratório de droga alguma vez encontrado na Europa. Contudo, é na acusação ao maior narcotraficante português que se percebe a influência das organizações criminosas. "Rúben Oliveira tinha o domínio dos portos de Setúbal e de Leixões, locais onde fazia entrar elevadas quantidades de cocaína em Portugal", lê-se no documento.
O controlo era tal, que o traficante, conhecido por "Xuxa" e atualmente em prisão preventiva, recebia no telemóvel fotografias de ações de fiscalização a contentores carregados com droga, levadas a cabo pela Autoridade Tributária. Também recebia, acusa o Ministério Público, "a listagem de contentores" transportados num determinado navio e "tinha acesso direto e ao minuto de documentação interna do porto". Em suma, "Xuxa" sabia, "em permanência", o que se passava e usava a informação para trazer toneladas de cocaína da América do Sul.
Portos vulneráveis
No relatório "Redes criminosas nos portos da UE", publicado no final de março, a Europol garante que casos iguais aos de "Xuxa" proliferam na Europa. "Redes criminais estão estruturalmente implementadas nos portos", assegura a coordenadora de polícias europeias, explicando que o facto de os portos serem "infraestruturas abertas" e acessíveis a um "largo número de empresas e pessoas" torna-os permissivos às intenções criminosas.
E os cartéis não perdoam estas vulnerabilidades, corrompendo "funcionários das empresas envolvidas na logística e processo de transporte dos contentores". "Os traficantes tentam ganhar a confiança dos alvos partilhando com eles atividades desportivas e de lazer", mas também empregando-se "no porto para fazer amizade com outros funcionários e corrompê-los". "Tentam corromper o máximo de funcionários possível, para não estarem dependentes de um só", destaca a Europol.
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Tripulações dos navios, estivadores, despachantes, camionistas e seguranças estão entre os alvos dos cartéis que, no entanto, pagam maiores subornos a operadores de grua e a funcionários que, através dos sistemas informáticos das suas empresas, saibam onde são guardados os contentores. Ter conhecimento exato da localização do contentor que esconde a cocaína é, aliás, "o maior desafio para as redes criminosas".
Os cartéis reservam "entre 7% e 15%" do valor total da droga para subornos e o pagamento é feito, quase sempre, em dinheiro, mas há funcionários corrompidos com droga e outros com favores sexuais. Nos casos mais extremos, os traficantes recorrem às ameaças e à violência para assegurar a colaboração de um trabalhador que recusa ser subornado, mas é visto pelo cartel como imprescindível para o sucesso do esquema. v
Pagos por "Xuxa"
Paulo Joaquim é um dos 18 arguidos do processo de "Xuxa". Estivador no Porto de Setúbal, está acusado de, sob as ordens de Rúben Oliveira, organizar a retirada da cocaína dos contentores e contratar camionistas para transportar droga.
Luís Gonçalves teria as mesmas funções no Porto de Leixões.
30 mil euros/quilo
Diamantino Morais, supervisor sénior de estivadores no Porto de Sines, foi acusado, em 2019, de cobrar a uma rede 30 mil euros por quilo de cocaína retirado do porto. Dava parte do dinheiro a trabalhadores que o auxiliavam.