Contestação entregue pelo "pirata" ao tribunal alega que estava prestes a tornar-se testemunha protegida. Diz que planeava nova vida e o anúncio de que era o criador do Football Leaks.
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Quando foi detido na Hungria, em janeiro de 2019, Rui Pinto estava prestes a firmar um acordo de proteção com as autoridades judiciais francesas. O português contava que, no mês seguinte ou em março, já estaria abrigado em solo gaulês. Aí, iria anunciar publicamente que era o "John" do Football Leaks. A estratégia é revelada pela contestação que Rui Pinto entregou ao Tribunal Central Criminal de Lisboa, onde a 4 de setembro começa a ser julgado. Está acusado de 90 crimes.
A colaboração entre o português e as autoridades francesas estava a correr bem. A 20 de novembro de 2018, Rui Pinto fora ouvido como testemunha pelo Parquet National Financier, uma equipa de magistrados especializados em crimes de colarinho branco. Pouco depois, para mostrar a sua boa fé, o pirata informático entregou-lhes um disco rígido com vários gigabytes de informação com potencial interesse público.
Já planeava nova vida
Tudo indicava que o acordo estaria para breve e Rui Pinto já se preparava para a sua nova vida. A 15 de janeiro, rabiscou num papel alguns tópicos para a reunião que ia ter com o seu advogado francês, William Bourdon, e com Preethi Nallu, representante da Signal Foundation, organização franco-americana de apoio a denunciantes. Queria deixar bem claro os termos da sua colaboração com a justiça francesa e com o EIC, um consórcio internacional de jornalistas.
No papel, entretanto apreendido pelas autoridades, Rui Pinto exigia poder de veto em todas as reportagens e queria definir um prazo para a colaboração jornalística com a EIC.
As notas também antecipavam o que o português queria do programa de proteção de testemunhas em França: renda e despesas pagas por um longo período de tempo e um emprego para a namorada que iria viver em França com ele. Depois disso, viria a revelação pública.
Segundo a contestação, em "fevereiro ou março, quando já estivesse devidamente protegido em França", Rui Pinto iria anunciar que era o "John" do Football Leaks. Iria estar disponível para entrevistas e já antecipava a necessidade de uma equipa de comunicação e de alguém "muito habituado às especificidades do mercado português".
Rui Pinto antecipava que "a maior guerra" iria ser travada em Portugal, "um país degenerado com altos níveis de corrupção, falta de justiça e um dos mais repressivos em termos de denunciantes", onde era "alvo de uma campanha negativa alimentada por tabloides".
O plano não se concretizou pois, no dia seguinte, a 16 de janeiro, viria a ser detido pela polícia húngara na sua casa em Budapeste. O papel onde rabiscara as notas da reunião do dia anterior foi apreendido e é uma das provas que irão ser analisadas pelo tribunal.
A defesa recorre ao papel encontrado em Budapeste para corroborar que a intenção de Rui Pinto sempre foi a procura da prova de prática de crimes graves para os divulgar publicamente. O pirata informático "arrepende-se de ter acabado por praticar atos ilícitos penais" nessa missão. Porém, "sem cuidar das formas como obteve a informação", a verdade é que a sua atividade no âmbito do Football Leaks se enquadra no exercício do direito à informação". Daí que a defesa conclua "pela culpa diminuída", que "não merece um juízo de censura muito forte" e pela prática de apenas um crime continuado e não de 90 crimes.
Intrusão visou Isabel dos Santos e não o Benfica
A defesa de Rui Pinto garante que o seu interesse pela sociedade de advogados PLMJ não foi motivado pelas ligações da firma com o Benfica, mas sim com a filha do ex-presidente de Angola. Segundo a contestação, Pinto acedeu a informação sobre operações ligadas a Isabel dos Santos e decidiu "investigar os negócios suspeitos" da angolana em Portugal. Leu artigos do jornalista Rafael Marques, mas entendeu que só poderia esclarecer "os negócios obscuros" com "documentos do escritório de advogados que assessorava Isabel dos Santos em tais transações". Foi graças à documentação de uma caixa de correio de uma jurista da PLMJ que conseguiu "completar o puzzle que deu origem ao Luanda Leaks" e que originou vários processos judiciais contra Isabel dos Santos.
CASO
Detido na Hungria
A 16 de janeiro de 2019, Rui Pinto foi detido em Budapeste. A 22 de março, seria extraditado para Portugal, onde ficou sujeito a prisão preventiva. A 8 de abril de 2020, passou para prisão domiciliária, mas sob supervisão da PJ.
Protegido pela PJ
A 7 de agosto, graças à sua colaboração com as autoridades, foi libertado e inserido no programa de proteção de testemunhas sendo colocado num local secreto e sob proteção policial.