Seis bancas instaladas na Pasteleira Nova vendem mais de 18 mil doses e "faturam" cerca de cem mil euros por dia. Lucros avultados forçam pactos de não agressão entre redes criminosas e compram colaboração com moradores.
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Há um narcobairro na cidade do Porto. Na Pasteleira Nova é o dinheiro do tráfico de cocaína e de heroína que impõe a lei, compra a colaboração de muitos dos moradores e, com a ameaça de violência, dita o silêncio dos restantes. Tudo é controlado por duas ou três autodenominadas "firmas", que são hierarquizadas e organizadas e que gerem seis bancas de venda direta aos toxicodependentes. O volume do tráfico, que movimenta mais de 18 mil doses de droga e cerca de cem mil euros por dia, segundo estimam diferentes fontes policiais, sustenta uma "guerra fria" entre traficantes, conscientes de que o negócio prolifera com um pacto de não agressão, num bairro habitado por quase 900 pessoas.
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Não se pense, contudo, que a Pasteleira Nova está interdita à Polícia. A PSP todos os dias marca presença no bairro através de várias valências e não desiste do combate ao narcotráfico. Porém, as ações policiais são facilmente sinalizadas e contornadas por redes criminosas que, à semelhança de grandes empresas, dispõem de um organograma que define o papel a desempenhar por todos e cada um dos seus elementos.
Na base da estrutura estão os "vigias" e no topo mandam os membros de duas ou três famílias cuja influência cresceu com o bairro. Pelo meio, há várias posições, incluindo, por exemplo, a figura do "transportador", responsável por levar a droga de diferentes pontos da cidade ao "vendedor".
Casas que valem ouro
Algumas "firmas" optam por um método diferente e preferem usar apartamentos do próprio bairro para guardar o produto proibido. São as casas de recuo, que custam às redes criminosas até 400 euros por dia. Mais baratas são as residências que os traficantes utilizam para se esconderem, ou para ali abandonarem a droga, durante operações policiais. Nestes casos, pagam cerca de 150 euros por cada entrada no apartamento.
"Também há casos em que os arrendatários dos apartamentos recebem até três mil euros mensais para sair do bairro. Mantêm a casa em seu nome e pagam todas as contas para não levantar suspeitas, mas cedem-na definitivamente às organizações criminosas para que a usem a seu bel-prazer", explica fonte policial.
Muitos dos moradores da Pasteleira Nova são seduzidos pelas elevadas quantias oferecidas e passam a ser mais uma peça do complexo puzzle montado no bairro. Há, todavia, quem resista ao dinheiro e acabe por ceder às ameaças de traficantes. "Uma casa vazia no bairro vale ouro", garante a mesma fonte.
Por uma ou outra razão, na Pasteleira Nova vigora a "omertà", código criado pela máfia italiana que proíbe revelar à Polícia (ou aos jornalistas) os segredos que ali se escondem. Ninguém fala e todos fogem.
Horários combinados
E como se financia uma operação tão dispendiosa? A resposta é simples: com os lucros astronómicos proporcionados pela enorme quantidade de cocaína e heroína traficada naquele que é conhecido como o "supermercado de droga" do Norte do país.
Cada dose de cocaína, quase sempre vendida em forma de pedra "crack", ou um pacote de 0,1 gramas de heroína custam, na Pasteleira Nova, cinco euros. Sendo certo que não há números rigorosos, as projeções das forças policiais apontam para que cada uma das seis bancas existentes no bairro venda mais de três mil doses diárias. Feitas as contas, cada dia de trabalho, muitas vezes de 24 horas ininterruptas, resulta numa faturação total a rondar os cem mil euros.
O dinheiro é tanto que as diferentes "firmas" a operar na Pasteleira Nova acordam horários de abertura e fecho de cada uma das bancas, forma de funcionamento e preços da droga. Por ali, cada rede tenta conquistar território, mas sem nunca pôr em causa os interesses dos rivais. O objetivo é evitar confrontos que possam atrair a PSP ao bairro e afastar clientes.
A violência, no entanto, faz parte do dia a dia da Pasteleira Nova e quem cometer erros na execução da tarefa que lhe foi destinada sabe que será punido na exata medida da falha cometida. Nada fica por pagar.
Hierarquias impõem organização complexa
Vigias - Os olhos da rede
São toxicodependentes, ou jovens a iniciar caminho no tráfico, que ocupam pontos estratégicos e com grande visibilidade sobre o bairro para, aos berros, alertarem para a chegada da Polícia. "Água" ou "piu" são alguns dos nomes de código que estes homens, que recebem uma diária de 50 euros em droga e comida, usam como alerta para a presença de gente suspeita.
Capeadores - Angariar clientela
Também são toxicodependentes e pagos com droga. A sua função é convencer os consumidores que a "firma" que representam é a que vende a cocaína e heroína de melhor qualidade. São os publicitários da organização.
Vendedor - A cara da organização
É o responsável por comercializar a droga e receber o pagamento, negócio que acontece sempre à entrada ou entre as estreitas vielas que separam os blocos habitacionais. O "vendedor", que recebe entre 200 e 400 euros por dia, dependendo do grau de confiança que tem do chefe, nunca tem consigo grandes quantidades de droga e de dinheiro.
Homem do saco - Controlar ao longe
Também chamado "ponta", chega a receber 500 euros por dia e tem a função de abastecer de droga o vendedor e recolher o dinheiro. Mantém-se nas imediações dos locais de venda, protegido por seguranças, para que fuja sempre que surjam ameaças.
Transportador - Evitar fiscalizações
Jovens e sem cadastro, para que permaneçam o maior tempo possível fora do radar da Polícia, são usados para transportar a droga do exterior do bairro até ao "homem do saco". Auferem, em média, 150 euros por dia, mas nem sempre integram o esquema implementado.
Capos - Liderar na sombra
Começaram por ter pequenos papéis nas redes de tráfico e, pela força ou perspicácia, atingiram o topo da hierarquia da organização. Além de traficantes, são homens de negócios, que usam atividades legais, quase todas situadas nas imediações do bairro, para "branquear" os lucros da droga. Alguns mantêm um perfil discreto para permanecerem fora do radar policial, enquanto outros ostentam uma vida de luxo ao volante de carros caros e em restaurantes da moda. Certo é que nenhum deles toca na droga que a organização trafica, limitando-se a dar ordens de como, quando, onde e a que preço se compra e vende a droga.