Acesso a e-mails dos Leões, em 2015, dominou primeira parte do depoimento. Ideia para Football Leaks nasceu em convívio em Praga.
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Mais de dois anos depois do início do julgamento, em Lisboa, Rui Pinto assumiu esta segunda-feira, numa sala de tribunal repleta, a prática de alguns dos crimes de que está acusado, optando quase sempre por falar em "nós" - e não só em si - numa referência aos "amigos" com quem, em 2015, idealizou o Football Leaks, enquanto bebiam cervejas em Praga, capital da República Checa.
"A princípio, não levaram muito a sério, mas depois empenharam-se", afirmou o hacker autointitulado denunciante, sem adiantar qualquer detalhe sobre quem são essas pessoas. Na ocasião, o grupo tinha já "tido acesso a determinado tipo de informação, através de acessos ilegítimos", dos quais, garantiu, não foi o autor.
O crime, mesmo com boas intenções, não compensa. Sabendo o que sei hoje, não me voltaria a meter numa coisa destas"
O primeiro alvo definido pelo grupo para recolher informação foi o Sporting - uma escolha que, atendendo ao aparente caráter mundial do projeto, surpreendeu os juízes. "Fizemos uma análise de endereços de e-mail que estavam atribuídos ao Sporting Clube de Portugal e percebemos que podia haver ali um padrão de tipo de passwords utilizada. Chegou uma altura em que decidimos pôr isso em prática", recordou Rui Pinto.
Doyen e Sobrinho atraíram
O ataque inicial ocorreu em julho de 2015, sem a participação do pirata informático, por estar fora da capital da Hungria, onde residia. "Quando regressei a Budapeste, pus mãos à obra", sublinhou.
Entre os atos que, neste âmbito, confessou, está o acesso remoto às caixas de correio eletrónico de quatro funcionários do clube.
"Era a altura da janela de transferências, havia sempre informação a chegar", explicou. O facto de, na altura, o Sporting ter "uma colaboração mais ativa com fundos de investimento, como a Doyen Sports e outros menos conhecidos", e de Álvaro Sobrinho, ex-líder do Banco Espírito Santo Angola, ter entrado "no capital social" da SAD foram outros motivos que despertaram o interesse do grupo.
Não posso ser eu a mudar as coisas, não posso mudar o mundo. Têm de ser as autoridades a fazê-lo"
Rui Pinto reconheceu ainda que acedeu ilegitimamente aos e-mails de Otávio Machado, então diretor desportivo do Sporting, e de um outro funcionário. Ao contrário dos restantes, estes acessos foram, porém, "breves", uma vez que as caixas de correio não continham informação "relevante".
Em sentido inverso, o mentor do Football Leaks negou ser o autor, como defende o Ministério Público, da invasão a outros e-mails do Sporting, incluindo as de Bruno de Carvalho, então presidente do clube, e de Jorge Jesus, à data treinador da equipa principal.
"Houve acessos em que não participei", insistiu, atirando para outros elementos a sabotagem do sistema informático dos Leões. "Eu não tive qualquer intervenção. Sei da intenção, sei qual era o objetivo, mas não fui eu que executei", assegurou. O objetivo terá sido otimizar o acesso ao sistema.
Os alegados ataques a outras entidades serão abordados nas próximas sessões. Rui Pinto, de 33 anos, está acusado de 90 crimes.
À MARGEM
Apoio à Ucrânia
Rui Pinto referiu que tem, com terceiros, disponibilizado informações militares à Ucrânia na guerra contra a Rússia, disponíveis em fontes abertas.
Sofrimento na Hungria
O mentor do Football Leaks queixou-se das condições em que esteve detido na Hungria, em janeiro de 2019. "Só podia tomar banho três vezes por semana, a alimentação era completamente medíocre. [...] A tortura psicológica era constante", afirmou.
Queixa na Europa
O advogado do arguido, Francisco Teixeira da Mota, precisou que a queixa entregue no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, noticiada pelo JN, incide sobre o facto de não ter podido recorrer do pedido de afastamento da procuradora e não sobre a "injustiça do julgamento".
Mais um processo
Rui Pinto foi, na sexta-feira, constituído arguido, num processo aberto em 2019, referente a factos ocorridos entre 2015 e 2018 e relacionados com o caso em julgamento.