Advogado da massa falida do BES alega que, mesmo assim, há prova de que arguido era o "big boss" do GES. É "chocante" o caso durar há "nove anos".
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O mandatário da massa insolvente do Banco Espírito Santo (BES), Miguel Coutinho, defendeu ontem, no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, que há prova no processo da queda do BES/GES, em 2014, que indicia que Ricardo Salgado, de 78 anos, era "de facto a cabeça e o "big boss" ["grande chefe", em inglês]" do BES e do GES, alegando que só não há registo das suas ordens porque o ex-banqueiro "é da velha escola" e "não enviava e-mails".
"É absolutamente chocante que, nove anos depois do colapso do BES, ainda se esteja a discutir se aquilo que aconteceu tem a mínima dignidade para ir a julgamento", desabafou o advogado, no segundo dia do debate instrutório, em Lisboa.
Para Miguel Coutinho, há, por exemplo, "anotações" datadas de 2009 que demonstram que as contas da Espírito Santo International (ESI), a entidade do GES destinada a garantir o controlo familiar do grupo, foram adulteradas "a mando" e "com o conhecimento do dr. Ricardo Salgado". O advogado pediu, por isso, que o ex-presidente do BES e os restantes 19 arguidos acusados, em 2020, pelo Ministério Público (MP), sejam julgados.
sociedades com duplo papel
A mandatária das massas falidas da ESI e RioForte Investments, Madalena Dias Parca, criticou igualmente que se tenha querido "fazer transparecer" que a gestão do GES era "democrática". A advogada pediu, por isso, ao juiz Pedro Correia, do Tribunal Central de Instrução Criminal, que pronuncie os acusados, à exceção da ESI enquanto sociedade - entretanto já ilibada por questões processuais - e da RioForte Investments, também enquanto entidade coletiva.
Esta última, da área não financeira do GES, era detida a 100% pela própria ESI e terá sido usada nas operações fraudulentas que, acredita o MP, terão sustentado o castelo de cartas em que os arguidos terão transformado o grupo.
"Foram meros instrumentos. [...] A gestão destas empresas foi absolutamente ruinosa", sublinhou Madalena Dias Parca, apontando a particularidade de estas serem, enquanto massas insolventes, assistentes (ofendidas) com credores próprios, e enquanto entidades coletivas, arguidas, com outros lesados a ressarcir.
A causídica realçou ainda o "conflito de interesses" que existe na representação da RioForte Investments no processo e que, apontou, não pode manter-se no julgamento. "Não é compatível que a defesa da RioForte Investments seja representada pela mesma pessoa acusada de instrumentalizar a sociedade." O debate continua hoje.
PROCESSO
Acusação em 2020
O Ministério Público deduziu acusação em julho de 2020, seis anos após o colapso do BES/GES. As diligências instrutórias começaram em abril do ano passado.
Arguidos mudaram
Originalmente, foram acusadas 25 pessoas singulares e coletivas, mas quatro já estão, na prática, ilibadas, por questões processuais. Há cinco funcionários, sobre os quais o Ministério Público arquivara as suspeitas, que passaram entretanto a arguidos.
Rejeitam crimes
Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes, e os restantes arguidos negam todos os crimes.