Decisão justificada com síndrome de que arguida sofre. Criança foi atirada a tanque, asfixiada e envenenada com clorofórmio.
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O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) reduziu de 17 para dez anos de prisão a pena de uma bombeira condenada por, em menos de três meses, ter tentado matar o filho sete vezes, afogando-o, asfixiando-o e envenenando-o. Os juízes desembargadores consideraram como atenuante, entre outros aspetos, o facto de a mulher, com cerca de 30 anos, sofrer da síndrome de Munchausen por procuração. A condição traduz-se, na prática, em fazer uma criança a seu cuidado correr perigo de vida e depois prestar-lhe socorro, salvando-a e conseguindo, assim, a simpatia de outras pessoas.
Em causa estão sete situações, ocorridas entre 17 de abril e 25 de junho de 2019, que originaram sempre, segundo o acórdão proferido recentemente, uma paragem cardiorrespiratória no menino de sete anos. Na primeira ocasião, Patrícia R., então residente na Região Oeste, atirou o filho para um tanque com água e só o retirou depois de este - que à data não sabia nadar - ficar inconsciente, reanimando-o de seguida. Mais de um mês depois, na noite de 11 para 12 de junho, "dirigiu-se ao quarto" da criança e "tapou-lhe a cabeça com um lençol" até esta perder os sentidos. Já com o menor internado no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, administrou-lhe, em cinco dias distintos, clorofórmio.
Para tal, Patrícia R. usou uma seringa que acoplou ao cateter - um ato que deixou vestígios e levou os médicos a alertar a Polícia Judiciária (PJ). Desde 26 de junho de 2019 que se encontra, por decisão judicial, em prisão preventiva. Em julho do ano passado, foi considerada culpada de sete crimes de tentativa de homicídio e condenada, em cúmulo jurídico, a 17 anos de cadeia pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa. Ninguém testemunhou os atos praticados.
Pena "algo exagerada"
No recurso para o TRL, a defesa da arguida alegou que esta nunca quis matar o filho e que foi até graças à sua ação na maioria das situações - fazendo manobras de reanimação e/ou pedindo rapidamente socorro - que o menino não morreu. O argumento não convenceu os juízes desembargadores Vieira Lamim e Artur Vargues, que, em dezembro, confirmaram que Patrícia R. praticou mesmo sete crimes de homicídio qualificado, na forma tentada. Ainda assim, para os magistrados, a pena aplicada pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa foi "algo exagerada".
O acórdão critica o coletivo de juízes liderado por Francisco Henriques por ter ignorado o facto de a bombeira sofrer da síndrome de Munchausen por procuração. "Este quadro psicopatológico, impelindo a arguida para a ação (no sentido de atrair sobre si a atenção das pessoas e sentir-se valorizada como mãe), terá de ser reconhecido no caso como um fator redutor de culpa", argumenta a Relação.
Os juízes ressalvam, contudo, que a redução da punição para dez anos "não pode" ser entendida como um "juízo de menorização da gravidade da conduta em causa", mas sim como a aplicação da pena a um caso concreto. "Esta pena de dez anos de prisão representa já um castigo severo para uma mulher próximo dos trinta anos de idade", sublinham.
Menino apercebeu-se
Na leitura do acórdão da primeira instância, o juiz Francisco Henriques frisou que a criança "teve noção completa" dos episódios em que foi atirado para o tanque e asfixiado. Questionado em tribunal se poderia ter sido "a brincar", respondeu que fora "a sério".
Ficou com sequelas
Além de ter sofrido paragens cardiorrespiratórias, o menino, até então saudável, chegou a estar em coma induzido. Recuperou, mas ficou com sequelas nos pulmões.
100 mil euros é quanto o menino vai receber da mãe pelos danos causados. A mulher fora condenada a pagar 300 mil euros, mas a Relação julgou o valor "manifestamente desproporcional" face aos critérios existentes.
Pai da criança sem direito a receber indemnização
O Tribunal Central Criminal de Lisboa condenara a arguida a indemnizar em 25 mil euros o ex-companheiro, pai do seu filho, mas a decisão foi agora anulada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Os juízes desembargadores alegam que, apesar de ter sofrido, enquanto pai, perante a doença do filho, tal não afetou "a normal relação de parentalidade". Esse sofrimento não constituiu, por isso, "um dano próprio e direto" da ação da sua ex-mulher "que justifique a reparação". A decisão apoia-se em jurisprudência que admite compensação a terceiros somente "em caso de lesão do relacionamento familiar" ou "conjugal".