Mais de dois anos e meio após o início do julgamento, a leitura do acórdão do processo em que Rui Pinto, mentor assumido do Football Leaks, responde por 90 crimes foi esta sexta-feira reagendada para 13 de julho, em Lisboa.
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Em causa está o facto de o tribunal ter decidido corrigir, face à prova produzida em julgamento, a descrição inicial de factos sob suspeita, incluindo uma alegada tentativa de extorsão, em 2015, à Doyen Sports, em coautoria com o advogado Aníbal Pinto.
Em julgamento, Rui Pinto chamara-lhe uma "infantilidade", admitindo que, sem disso ter tido "consciência", possa ter cometido, formalmente, um crime de extorsão na forma tentada; Aníbal Pinto garantira que sempre pensou estar a negociar um contrato de trabalho para o hacker autointitulado denunciante; e o então diretor-geral do fundo de investimento, Nélio Lucas, contrapusera que nunca quis contratar nem pagar ao gaiense. Ontem, o coletivo de juízes liderado por Margarida Alves incluiu detalhes que poderão não beneficiar os arguidos.
O tribunal deu como assente, por exemplo, que Aníbal Pinto, Rui Pinto e Pedro Henriques, então representante de Nélio Lucas, tinham conhecimento expresso e não só implícito de que o documento em preparação no âmbito do potencial pagamento era um "acordo de confidencialidade" e não um contrato.
À saída do tribunal, Francisco Teixeira da Mota, advogado de Rui Pinto, reiterou que "é previsível que haja alguma condenação", escusando-se a comentar uma eventual suspensão da pena, anteriormente admitida pelo causídico.
Dias depois dos "leaks"
A troca de e-mails incriminadores remonta a outubro de 2015, dias depois de Rui Pinto ter começado a divulgar no site Football Leaks informação confidencial do mundo do futebol. Alguma documentação implicava a Doyen Sports.
Apresentando-se como Artem Lobuzov, Rui Pinto exigiu então entre 500 mil e um milhão de euros a Nélio Lucas para parar as publicações. Aníbal Pinto e Pedro Henriques foram mais tarde chamados a negociar.
A certa altura, estes últimos e o então diretor-geral da Doyen Sports reuniram-se na área de serviço de Oeiras, na A5, num encontro vigiado pela Polícia Judiciária. Nessa altura, reforçaram esta sexta-feira os juízes, os arguidos já saberiam mesmo do "envolvimento" das autoridades, "nomeadamente por captura de um ofício da Polícia remetido à Yandex [um motor de busca russo associado ao e-mail usado por "Artem Lobuzov"], intercetado por Rui Pinto".
O pagamento não foi feito, tendo os arguidos desistido por escrito da negociação. Aníbal Pinto, de 61 anos, responde só pela tentativa de extorsão. Os outros 89 crimes imputados a Rui Pinto, de 34, são informáticos e referentes aos ataques para obtenção da informação que tornou pública.
Outras alterações
Desvalorizado ataque a entidade "errada"
Uma das questões discutidas na instrução e no julgamento foi o facto de Rui Pinto ter, presumivelmente, atacado o sistema informático da Doyen Capital e não, como alega o Ministério Público, da Doyen Sports. Numa alteração não substancial dos factos agora feita, os juízes puseram fim à questão, considerando que as duas entidades partilham o sistema informático. Tal poderá implicar que o mentor do Football Leaks seja condenado por um maior número de crimes. Rui Pinto afirmou, em tribunal, que foi um amigo que atacou a Doyen Capital, com o seu conhecimento.
Desfecho de acessos a e-mails corrigido
O tribunal corrigiu o desfecho de 57 dos 143 acessos tentados a caixas de correio eletrónico de elementos do Sporting Clube de Portugal. Bruno de Carvalho, então presidente do clube, e o treinador Jorge Jesus não foram, afinal, espiados. O mentor do Football Leaks está acusado de ter ainda atacado, de 2015 a 2019, a Federação Portuguesa de Futebol, a Procuradoria-Geral da República e a sociedade de advogados PLMJ.
Apoio
Manifestante solitária pediu libertação
Uma manifestante solitária pediu esta sexta-feira no Campus de Justiça de Lisboa que Rui Pinto seja libertado, mostrando a expressão #FreeRui ("Libertem o Rui", em inglês) no ecrã de um computador portátil. "Se hackear bilionários fizesse diferença, fá-lo-iam ilegal", lia-se.
Detido na Hungria em janeiro de 2019, onde residia, o mentor do Football Leaks esteve mais de um ano em prisão preventiva, nas instalações anexas à sede da Polícia Judiciária, em Lisboa. Desde agosto de 2020 que está em liberdade, integrado no programa de proteção de testemunhas.