Garantiam ter sido roubados, sequestrados ou raptados, quando tudo não passava de uma mentira para tentar esconder gastos, infidelidades, desvios ou furtos. Mas essas simulações de crime obrigam as autoridades a empenhar meios humanos e materiais que podem prejudicar outras investigações.
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Em média, a Polícia Judiciária (PJ) confronta-se com falsas denúncias uma vez por semana. Roubo, sequestro e violação lideram as simulações, que têm vindo a diminuir.
De acordo com estatísticas da PJ, nos últimos cinco anos, foram efetuadas 210 investigações que descobriram invenções. No mesmo período foram constituídas arguidas 122 pessoas. "Muitos casos são simulações de roubos. Gastou-se dinheiro mal gasto e é preciso arranjar justificação para dar ao marido ou à mulher. Também há funcionários que desviam dinheiro ou bens das empresas e depois se queixam de terem sido assaltadas. Outras simulações podem acontecer apenas para chamar a atenção", adiantou ao JN fonte da PJ.
Um ano de prisão no máximo ou pena de multa até 120 dias são as punições previstas no Código Penal para a simulação de crime.
"Quando recebemos uma denúncia de roubo à mão armada, ela é obviamente tratada de forma séria. Obriga os inspetores a irem ao local, a ouvir pessoas, a investigar. Em certos casos, até têm de ser realizados exames forenses com custos elevados", disse a mesma fonte.
Sequestros são por vezes simulados para justificar horas passadas fora de casa, mas "por ser uma investigação, temos de ir ao pormenores e é aí que, muitas vezes, conseguimos detetar a mentira em pouco tempo".
Os falsos casos de violação ou abusos sexuais serão os mais sensíveis. Muitas das investigações partem de falsas denúncias de progenitores em processos de separação, que visam impedir visitas ou retirar a custódia dos filhos. Há adolescentes que inventam violações para justificar ausências de casa ou da escola, ou simplesmente para se vingarem dos pais com quem estão em conflito. Já se verificaram também falsas denúncias de mulheres que, após relações consentidas, apresentaram queixa por violação porque o relacionamento não se desenvolveu de acordo com as expectativas criadas.
Alguns exemplos de "crimes" desmontados pela PJ
2018 - Vila Real - Uma mulher, de 33 anos, foi encontrada por vizinhos caída, com as mãos no ventre e a sangrar. À PSP, a vítima gritava ter sido atacada por um mascarado, corpulento e vestido de negro, que a tinha esfaqueado. O caso deixou Vila Real em sobressalto e a Polícia mobilizada, sem nada encontrar. À PJ, a mulher acabaria por confessar que ela própria se golpeara e a investigação revelou que não tinha sido a primeira vez. Só por acaso inocentes não foram parar à cadeia.
2017 - Mafra - Esperou que o marido adormecesse, em casa, em Mafra, e atacou-o à facada. Ligou à Polícia e disse que o marido tinha sido esfaqueado por assaltantes. Foi também a PJ a desmontar a história e a deter a mulher, de 43 anos, que agiu para acabar com as discussões frequentes.
2016 - Porto - Um funcionário de uma distribuidora de tabaco, de 57 anos, cheio de dívidas, decidiu simular um assalto para se apoderar de 30 mil euros do patrão. Chegou a dizer que esteve três horas sequestrado. A PJ desconfiou dos pormenores e fez uma busca à casa do funcionário encontrando centenas de maços de tabaco e milhares de euros, furtados.