Mãe que ficou sem filhas após alegada mentira de técnicas nunca recorreu da decisão
"Tivemos de aceitar, se não eu não via as meninas", justificou, no julgamento das assistentes sociais, Ana Maximiano. Duas das três crianças só voltaram a viver com a mãe seis anos mais tarde.
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A mãe que, em 2015, perdeu em poucas horas a guarda de três filhas após uma alegada mentira de duas técnicas da Segurança Social admitiu esta quarta-feira, no julgamento daquelas assistentes sociais, que nunca chegou a recorrer judicialmente da retirada das crianças nem da manutenção sucessiva pelos tribunais da decisão.
"Tivemos de aceitar a decisão, se não eu não via as meninas", afirmou, no Tribunal Local Criminal de Cascais, Ana Maximiano, de 40 anos e que, em 2016, fez uma greve de fome em frente à Assembleia da República, entre outros locais, para alertar para a sua situação. A menina mais velha regressou a casa da mãe em 2019 e as restantes em dezembro de 2021. À data da retirada, as crianças tinham, respetivamente cinco, três e dois anos de idade.
O caso remonta a 7 de dezembro de 2015, dia em que o pai das duas meninas mais novas deveria ter recolhido a filha no jardim-de-infância de uma delas, no concelho de Oeiras, para passar umas horas consigo. Só que Ana Maximiano decidiu chegar mais tarde com as crianças, numa altura em que quer o progenitor quer as técnicas da Segurança Social que deveriam mediar a entrega já se tinham ido embora.
Catadupa de processos
Entre as técnicas da Segurança Social, estava uma das arguidas, que, na primeira sessão do julgamento, a 14 de setembro de 2022, confirmou que, a partir do relato feito por telefone pelo assistente social da escola, escreveu num oficio, também assinado pela outra acusada, que, ao aperceber-se de que o ex-marido regressara ao infantário, Ana Maximiano ameaçara "desaparecer" com as meninas e deixara a filha de dois anos sozinha num café. Esta nega que o tenha dito ou feito.
A informação justificaria a proposta das assistentes sociais ao Tribunal de Família e Menores de Cascais para que as crianças fossem retiradas com urgência à mãe, por correrem perigo da vida, e entregues aos respetivos pais. O da mais nova era já então suspeito de violência doméstica, tendo sido entretanto condenado a pena suspensa. Mas a recomendação foi aceite pela juíza e, nesse mesmo dia, as meninas rumaram a casa dos progenitores, sem que nem Ana Maximiano nem outras testemunhas do episódio fossem questionadas sobre o sucedido.
O momento acabou por dar origem, ao longo dos anos, a vários processos em diversos tribunais e levou à suspensão, logo em 2015, do processo para regular a guarda das duas meninas mais novas que, à data, corria na Justiça. Em 2018, este processo foi retomado e só em dezembro de 2021 chegou ao fim.
"Efetivamente, não foi feito nenhum recurso, mas pedimos para fazer mais prova", salientou, esta quarta-feira, Ana Maximiano, que se queixa de que as suas testemunhas apenas foram aceites pelo tribunal em 2021.
"Não corresponde à verdade"
As meninas regressaram, nessa altura, a casa da mãe - para onde a irmã mais velha já voltara dois anos antes após suspeitas de maus-tratos por parte da madrasta - e passaram a contactar com o pai com a regularidade que, até então, contactavam com a progenitora.
Após a retirada, em dezembro de 2015, Ana Maximiano só voltou a estar regularmente com as filhas, em visitas supervisionadas por assistentes sociais, no final de março de 2016. Mais tarde, as meninas passaram a pernoitar em fins de semana em sua casa. Esta quarta-feira, assegurou que, entre 7 de dezembro de 2015 e o final de março do ano seguinte, esteve apenas uma vez com a filha mais nova - durante uma hora, na ama - e três vezes com a do meio: em duas ocasiões durante dez minutos, no infantário, e na festa de Natal da menina.
Confrontada com o facto da educadora de infância desta última ter escrito, em janeiro de 2016, que "todos os dias ia dar um beijinho" à criança, Ana Maximiano assegurou que tal "não corresponde à verdade." A resposta foi a mesma quanto ao relato desta e do assistente social do infantário sobre o que presenciaram a 7 de dezembro de 2015 e que vai ao encontro, em parte, do que é alegado por Sandra Baptista, a assistente social que elaborou o ofício a propor a retirada das meninas.
A psicóloga e a colega, Anabela Vieira, ambas de 50 anos, estão acusadas pelo Ministério Público de falsidade de depoimento ou declaração e denegação de justiça ou prevaricação, podendo, caso venham a ser condenadas, ser punidas com multa ou prisão. Arriscam ainda ser obrigadas a indemnizar, a meias com o Instituto de Segurança Social, Ana Maximiano em 600 mil euros.
O julgamento prossegue a 30 de setembro de 2022, em Cascais, com a audição de testemunhas.