A TAP pode ainda vir a ter de indemnizar três passageiros que, em 2019, tiveram um voo cancelado, de Estugarda para Lisboa, devido à morte súbita do copiloto. A transportadora aérea portuguesa chegou a ser condenada por um tribunal de Nürtingen, na Alemanha, a indemnizar os clientes, mas recorreu. A decisão acabou suspensa por um tribunal regional, que quis questionar o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) se a morte súbita de um piloto pode constituir uma "circunstância extraordinária".
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O caso remonta a 17 de julho, quando o copiloto Duarte Pato, que devia realizar um voo de Estugarda para Lisboa, foi encontrado morto no quarto de hotel, às 4.15 horas. Na altura, a tripulação ficou "chocada" e declarou-se inapta para voar. O voo, previsto para as 6.05 horas e que partia fora da base da TAP, acabaria por ser cancelado, uma vez que não havia pessoal de substituição disponível. A tripulação suplente só chegaria a Estugarda, oriunda de Lisboa, às 15.20 horas, tendo os passageiros sido transportados num voo que só partiu da Alemanha às 16.40 horas.
TAP recusa pagar
Mais tarde, três passageiros, através de duas empresas de assistência jurídica, exigiram à companhia uma indemnização pelo cancelamento do voo, mas a TAP recusou pagar, alegando "circunstâncias extraordinárias" que a eximiam, assim, de quaisquer responsabilidades.
O caso seguiu para tribunal e a companhia foi condenada pelo Tribunal de Primeira Instância de Nürtingen a indemnizar os passageiros. Alegou o juiz que a morte súbita e imprevisível "não constitui um acontecimento externo, na medida em que faz parte dos riscos inerentes às atividades de uma transportadora aérea".
No entanto, a companhia aérea decidiu recorrer e o Tribunal Regional de Estugarda teve outro entendimento. Considerou este órgão jurisdicional que a morte do copiloto, "que tinha passado sem dificuldade os exames médicos obrigatórios, era completamente imprevisível e surpreendente para todos". Por isso, suspendeu a instância e pediu ao Tribunal de Justiça que esclarecesse se a morte súbita de um copiloto, pouco tempo antes do voo, pode ser considerada uma circunstância extraordinária.
Numa proposta publicada esta quinta-feira no site do TJUE, a advogada-geral Laila Medina considera que "o cancelamento do voo com partida de um aeroporto situado fora da base da transportadora aérea operadora em causa, devido à morte súbita do copiloto que passou sem restrições os exames médicos periódicos prescritos, não está abrangido pelo conceito de circunstâncias extraordinárias". No entanto, admite, caso o Tribunal de Justiça tenha um entendimento diferente "incumbe‑lhe examinar o conceito de medidas razoáveis que uma transportadora aérea deve tomar."
Cancelamento do voo era inevitável
A morte de um copiloto, independentemente das circunstâncias específicas em que ocorreu, conduziria, em qualquer caso, ao cancelamento do voo na falta de piloto de substituição, admite a advogada-geral Laila Medina. Mesmo as normas de segurança aérea, acrescenta, não permitiriam "que todo o piloto atue como piloto de substituição, ou seja, isto significa que não basta que as transportadoras aéreas operadoras que utilizam aeronaves diferentes disponibilizem tripulação adicional em cada destino e que as tripulações de reserva estejam disponíveis para todos os tipos de aeronaves utilizadas e para todas as rotas operadas pela transportadora aérea".
Morte fora do trabalho
A advogada-geral considera que a ausência súbita de um copiloto "constitui uma parte ordinária da atividade de uma transportadora aérea operadora" e que esse acontecimento "deve ser considerado inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea". No entanto, neste caso, considera que a morte do copiloto ocorreu fora do trabalho e não foi por ele causada. Por isso, diz, "deve ser qualificado como um acontecimento externo".
Regulamento
Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros têm direito a uma indemnização por parte da transportadora aérea operadora, salvo se tiverem sido previamente informados do cancelamento. A companhia fica também dispensada de indemnizar se provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.
O que diz a jurisprudência
Podem ser qualificados de "circunstâncias extraordinárias" os acontecimentos que, devido à sua natureza ou à sua origem, não são inerentes ao exercício normal da atividade da transportadora aérea operadora em causa e que escapam ao controlo efetivo dessa transportadora.