<p>José Sócrates sobreviveu ao mais duro teste em ano de crise. Mas em contexto de pulverização do eleitorado, terá de negociar apoio no Parlamento para viabilizar o Governo. Vítima da ascensão do CDS, é o PSD o grande derrotado.<br /><br /><a href="/multimedia/infografia.aspx?content_id=1374590">» Infografia: Conheça todos os deputados eleitos</a><br /><a href="/eleicoes/legislativas2009/Interior.aspx?content_id=1374400">» Sócrates: "A nossa democracia respira bem e dá sinais de vitalidade"</a> <br /><a href="/eleicoes/legislativas2009/">»Ver aqui resultados em todas as freguesias do país</a></p>
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Pode o partido que perdeu meio milhão de votos e pelo menos 25 deputados - falta atribuir os quatro mandatos dos círculos da Emigração - ser considerado o vencedor das eleições? Pode, porque conserva o poder, embora perdendo a maioria absoluta. E porque o principal rival não mostrou ser um adversário à altura.
As eleições legislativas de ontem deram consistência aos indícios que as europeias de Junho tinham emitido. Doravante, o país terá de conviver com um quadro partidário a cinco, porque o Bloco de Esquerda veio para ficar, o CDS/PP está de regresso aos tempos áureos e até o PCP, empurrado para a cauda entre as forças com representação parlamentar, tem mais um lugar na bancada.
As causas desta profunda mudança saltam à vista. Ao ignorar os apelos ao voto útil, o eleitorado matou de vez o domínio que historicamente o "Centrão" exerce sobre a política nacional. Só em 1983, mas num cenário de quatro partidos, a soma de votos do PS e do PSD foi inferior à agora registada. Na altura, desembocou no Bloco Central, hoje improvável.
A prazo, é difícil avaliar os efeitos desta reconfiguração. No entanto, será testada em breve, quando o presidente da República indigitar, como se espera, José Sócrates para formar Governo. O líder do PS diz-se disponível para dialogar com todas as forças - outro remédio não tem. Os resultados revelam que só com o CDS pode assegurar apoio parlamentar suficiente para garantir a perenidade do Governo. Parece, contudo, pouco crível que siga esse caminho, em atenção ao facto de o conjunto da Esquerda representar mais de 54% dos votos.
Mais provável se afigura que o PS "pesque à linha", firmando acordos pontuais para aprovar diplomas, na expectativa de que nunca comunistas e bloquistas se unirão à Direita para o derrubar. Tanto mais que - a história o ensina - certos tiros podem fazer ricochete. Em 1987, o Parlamento derrubou o Governo minoritário de Cavaco Silva, que na eleição seguinte conquistou a sua primeira maioria absoluta.
Sócrates, o primeiro chefe de Governo que não consegue reforçar a votação na disputa de um segundo mandato (Cavaco cometeu a proeza em 1991 e António Guterres em 1999) não tem assim a vida facilitada. Desde logo por pressão de Paulo Portas, um dos grandes vencedores do sufrágio.
O CDS alcançou todos os objectivos. Quase todos, corrija-se: só não se tornou indispensável à formação de um Governo com o PSD. A política tem destas ironias: Paulo Portas, que tanto queria ser "bengala" do PSD, está agora em condições de a emprestar ao PS. Praticamente duplicando o número de deputados, também graças a incursões no território social-democrata, o partido tem de ir aos anais para encontrar - há 16 anos! - um resultado mais dilatado do que o obtido desta vez.
O Bloco, que já nas Europeias surpreendera, fica à beira dos dois dígitos e duplica a representação parlamentar. Na destruição do voto útil, desempenhou à Esquerda o papel equivalente ao do CDS à Direita. Ao captar boa parte dos socialistas descontentes com o rumo da governação, deixou definitivamente de ser uma formação política marginal.
Neste cenário de vasos comunicantes, em que está por apurar o peso do voto dos novos eleitores, quem pagou as favas foi a CDU. Jerónimo de Sousa bem pode alegar que reforçou o número de votos e até de eleitos. Passar de terceiro a quinto partido é o que fica na história. Não pode deixar de ser considerado como derrota.
Finalmente, o PSD. Estava investido de especiais responsabilidades - até para combater a abstenção, mais elevada do que em 2005, uma vez que apresentou o sufrágio como absolutamente decisivo. Mas a "política de verdade" falhou em toda a linha e o partido alcançou uma percentagem pouco acima da registada então por Santana Lopes.
Ajudar a retirar a maioria absoluta ao PS constitui, assim, fraca compensação, para um partido com vocação de poder e estatuto de alternativa. Ferreira Leite não se demitiu, mas começaram ontem mesmo a afiar-se facas no PSD.
Paulo Martins